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segunda-feira, outubro 29, 2007

Era do Gelo Chegando - Parte I



Eu sempre achei que o jeito mais sensato de interpretar “Idioteque”, a música-chave de Kid A (o disco-chave do Radiohead [a banda-chave do século 21]), é enxergando ela como sendo sobre ela mesma. Com Kid A, o Radiohead deu um salto gigantesco do rock expansivo de Ok Computer para o gênero que permite a expansividade suprema: a música eletrônica. Thom Yorke, o líder da banda, decidiu empurrar seus parceiros na direção do que ele andava ouvindo desde o término da turnê do OKC, e essa direção era o catálogo da Warp, uma gravadora que lança os artistas eletrônicos mais ousados e experimentais (geralmente os que pertencem ao “subgênero” IDM: Intelligent Dance Music), como Aphex Twin e Autechre. O Yorke obviamente percebeu a enorme quantidade de possibilidades que o apoio tecnológico proporcionava, como quase infinitas opções de ritmos e texturas e melodias. Com toda essa liberdade, ele tinha tudo que precisava pra poder recriar as paisagens alienígenas que ocupavam a sua cabeça (e todo mundo sabe que o atrativo principal de Radiohead é suas paisagens sonoras, principalmente as alienígenas).

E aí entra o refrão de "Idioteque", “Here I’m allowed everything all of the time”, cantado no falsete mais eufórico da carreira dele. Pra mim, essa frase foi sempre um grito de guerra de Thom a favor da música eletrônica, que até hoje (e ainda mais há 7 anos atrás, quando Kid A foi lançado) sofre um certo preconceito de uma boa porção mais “conservadora” de músicos e ouvintes. O resto da letra defende a minha teoria.

Uma das características das letras de Yorke são suas mudanças de pontos de vista e perspectivas dentro de uma mesma canção, e os versos de "Idioteque" - ao contrário do refrão positivo - descrevem um cenário quase apocalíptico, como se uma guerra estivesse prestes a acontecer (“Women and children first”; “Who’s in the bunker?”). No segundo verso, ele menciona a chegada de uma nova “era de gelo” e pede desesperadamente para que tal era de gelo seja “jogada no fogo”, uma descrição perfeita das críticas à música eletrônica – que ela é fria, não tem o calor da "alma humana", e outras merdas do tipo. Esses trechos negativos formam, na minha opinião, um retrato de uma reação conservadora à chegada de uma nova forma de compor e ouvir e sentir música, uma reação muito semelhante à chegada de qualquer tipo de tecnologia (“Pra que eu vou usar o telefone se eu posso conversar cara-a-cara?”, disse algum infeliz há um tempão atrás).

Pois bem. Essa semelhança me atingiu há pouco tempo, enquanto eu lia “The Singularity is Near”, de um inventor/cientista muito esperto chamado Ray Kurzweil. Eu comprei o livro importado há algum tempo e não sei se ele já está disponível no Brasil, mas não se preocupem, caros leitores. Eu darei uma breve, superficial explicação do que diabos é a Singularidade e por que ela está Próxima. Para isso, vou precisar roubar uma idéia de um texto do crítico Mike D’Angelo, que também já escreveu sobre o assunto no blog dele. É uma simples comparação que vai deixar a idéia bem mais clara.

[Aqui havia um paragrafo removido pois Ristow o utilizou em um texto que ele mandou pra uma revista, mas que provavelmente não vai ser publicado. Valeu, Ristow]

O que isso diz? Que a evolução tecnológica é exponencial. A velocidade do seu desenvolvimento acelera com o tempo. E isso não é só para armazenamento de música. Esse conceito é verdadeiro da tecnologia em geral. (Existem várias evidências disso, que eu não vou continuar citando aqui. Se tiverem muito interessados, comprem o livro ou procurem no Google sobre o assunto). Nós criamos algo, e essa criação nos ajuda a alcançar o próximo passo - é como uma avalanche, que vai empurrando mais e mais neve à medida que sua massa cresce.

E o que isso diz? Que logo logo haverá transformações tecnológicas incríveis (especialmente nos campos de Robótica, Genética e Nanotecnologia) que causarão impactos enormes no jeito em que vivemos. E o crucial dessa última frase foi o “logo logo”. Como o avanço tecnológico acelera com o tempo, segundo Kurzweil e várias outras pessoas bastante inteligentes (incluindo o Bill Gates – alguém vai discordar de um bilionário?), não vai demorar vários séculos até que apareça inteligência artificial com a mesma capacidade da inteligência biológica (ou superior), ou até que curemos todas as doenças, até que existam carros voadores e realidade virtual perfeita. Nós estamos no joelho da curva (para cima) da evolução tecnológica, perto da explosão. Basta olhar para o exemplo da música. Daqui a algumas décadas (sim, enquanto todos os leitores desse blog ainda estiverem vivos), seu iPod não vai só guardar 10456549 gigas de música, mas também toda a informação contida no seu cérebro, e acesso imediato a toda a informação contida no resto do mundo. E você nem vai precisar daqueles fonezinhos de enfiar no ouvido.

Se isso soou completamente maluco, algo absurdamente absurdo, então você ta começando a entender o quanto essas transformações vão ser importantes. Pois se chegássemos a alguém de 1877 e colocássemos um iPod nas mãos deste indivíduo, ele ia pirar. Pirar. Pi-rar. Pior ainda, se tentássemos explicar o conceito de um iPod, e o que ele é capaz de fazer, esta pessoa ia lhe chamar de Satanista e colocá-lo pra queimar na fogueira (ou aquele negócio das “bruxas” foi antes? Tava precisando revisar História...). Assim como o pobre indivíduo de 1877 não conseguiria imaginar nada do que aconteceria 130 anos depois, nós não podemos imaginar nada do que acontecerá daqui a algum tempo, mesmo comprando o livro excelente de 600 páginas do Kurzweil. As transformações serão muito devastadoras. O subtítulo do livro: “When Humans Transcend Biology.”



***

“Here I’m allowed everything all of the time.” Foi isso que o nosso duende melancólico favorito cantou na música-chave do disco-chave do século 21 (que será o século-chave para a evolução humana). Ele estava descrevendo, na minha opinião, a liberdade da música eletrônica. Mas querendo ou não, ele também estava descrevendo a liberdade que a tecnologia vai proporcionar o ser humano (em qualquer situação) daqui a algumas décadas. Nanotecnologia, por exemplo, significa que milhares de minúsculos robozinhos poderão entrar no seu corpo e destruir qualquer agente maléfico presente; poderão entrar no seu cérebro e expandir suas capacidades intelectuais, além de manipular os seus sentidos e criar realidades virtuais totalmente realistas, ou conectá-lo com outra pessoa a milhares de quilômetros como se estivessem sentados no mesmo sofá. Esses mesmos robozinhos poderão sair do seu corpo e se agrupar em qualquer formato, criando qualquer estrutura que você desejar, como mágica. Um balão, uma girafa, uma Jog. E isso é só um exemplo de inúmeras mudanças que ocorrerão em todos os aspectos da existência humana.

O meu ponto, basicamente, é: o jeito que você vive hoje não tem absolutamente nada a ver com o jeito que você viverá daqui a 40 anos (e além). O próprio fato da Morte virar um conceito obsoleto – já que você poderá uploadar o seu cérebro pra um computador e existir por tempo indefinido, ou consertar e melhorar o seu corpo a qualquer momento, ou etc, etc – já será uma mudança profunda em como funcionamos.

Então como lidamos com o conhecimento de que essas mudanças ocorrerão? Se tudo vai mudar, como eu posso planejar e organizar minha vida sabendo que daqui a 40 anos nada do que eu planejei vai fazer qualquer diferença?

***

Vou continuar com a parte II daqui a alguns dias.

15 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Tem uma frase com intuito de auto-ajuda num livro do Lauro Trevisan que descreve perfeitamente a tecnologia: "Tudo que é pensável, é realizável".
Até mesmo o negócio de "uploadar o cérebro e existir por tempo indeterminado" não me choca mais.
Às vezes gosto de imaginar o Júlio Verne pensando nas histórias dele; séculos atrás pensando sobre viagem à lua, construção de submarinos e até sobre televisão.
E o daVinci pensando em helicópteros.

Até que enfim um post bom e grande.
E ainda tem segunda parte *_*

10:55 AM  
Anonymous Anônimo said...

Este comentário foi removido pelo autor.

10:55 AM  
Anonymous Anônimo said...

Desculpe se eu estiver antecipando suas perspectivas que ficaram pra segunda parte, mas ironicamente seu link para o blog do Mike D'Angelo traz algo da relutância em eu acreditar que meu cerébro será em breve backupado prum chip enxertável. O MdA pergunta-se pq é que ele não é dos melhores jogadores de pôquer do mundo. Eu também queria ser um dos melhores jogadores de pôquer do mundo, pq eles são o que há de mais avançado no Homo Sapiens. A máquina já derrotou o homem no xadrez, mas foi derrotada pelo homem no pôquer, e talvez nunca venha a derrotá-lo no pôquer. A máquina não entende blefe, é simples e idiota demais pra que ela traduza. Poder de blefe, dissimulação & corrupção nos diferenciam de máquinas, nos puseram num equilíbrio sustentável que nos permitiu chegar até as máquinas e naturalmente devem obstar à fusão com elas. Certamente a engenharia genética já deve ter evoluído a ponto de se poderem juntar núcleos de dois óvulos pra fecundar a filha de duas mulheres, mas imagina o embromation que não vai correr até essa menina ser parida. Tecnologia é exponencial, política é linear. Antes de 2001 teve Dr. Fantástico, né. Felizes dos centos e tantos blefadores, dissimulados & corruptos que sobreviverem à Era do Gelo pra contarem história, transplantarem-se mutuamente, fazerem contato, espalharem Monolitos, etc. E eu estou particularmente bastante feliz com a idéia de poder assistir ao começo de tudo isso e dormir inerte no final, sem responsabilidades.

PS: Godric da Valinor

9:52 PM  
Anonymous Anônimo said...

Eu estava pensando, meu comentário não foi muito sincero, pq na real não consigo deixar de me manter otimista sobre esses avanços e sobre a incapacidade das pessoas/governo/Igreja/Maçonaria da KKK Integralista em conseguir impedi-los. Paradoxalmente isso me veio à cabeça assistindo às novas da Venezuela no jornal. Hugo Chávez baixou a pomba-gira e resolveu que a constituição deve autorizar abertamente investidas em outros países, decreto de estado de exceção e tolhimento irrestrito da imprensa e da liberdade de expressão. Pois ele pode resolver bloquear o acesso a quantos sites subversivos e itens de procura no Google que ele quiser, e ainda assim qualquer hackerzinho dará jeito de contornar e publicar o jeito no seu blog/MySpace/Wikipedia/tudo. O fato é que qualquer coisa que eu vejo me enche de esperança, até Hugo Chávez.

12:28 PM  
Anonymous Anônimo said...

(engraçado que esse meus posts seguidos e contraditórios são exatamente o que vc diz do Yorke em Idioteque; e observe que o intervalo de tempo entre um post e outro é grande, isso é pq eu fico pensando e googlando sobre o assunto, o que não é saudável; eu recomendo não matutar a respeito dessas coisas)

1:29 PM  
Anonymous Anônimo said...

"Poder de blefe, dissimulação & corrupção nos diferenciam de máquinas".

Eu vi um documentário uma vez que explicava aqueles truques de cavalos que supostamente sabem "contar". Diziam que um cavalo tem muita sensibilidade de interpretação facial (não no sentido de "ohh, o meu dono ficou zangado", mas no sentido de captar alterações faciais muito sutis). Então faziam uma conta qualquer e o cavalo começava a bater o casco no chão. Quando ele chegava à resposta, captava alterações faciais nos rostos das pessoas e imediatamente parava, dando a impressão de que ele fez a conta e acertou.

A máquina pode não entender um blefe mas não porque é simples e idiota, apenas porque quem a criou não fez um software capaz de interpretar um blefe de um jogador de pôquer. E neste ponto a máquina pode até vir a ser bem superior a nós, porque pode ser feita para captar mudanças de temperaturas, batimentos cardíacos, rigidez muscular e impulsos elétricos do cérebro. Ora, não sei nada sobre neurologia, mas acredito que quando alguém minta uma área diferente do cérebro seja ativada. Se a máquina puder captar isso, aí complica para os jogadores de pôquer.

5:23 PM  
Blogger Fausto said...

Este comentário foi removido pelo autor.

9:57 PM  
Blogger Fausto said...

Este comentário foi removido pelo autor.

9:58 PM  
Blogger Fausto said...

Este comentário foi removido pelo autor.

10:07 PM  
Anonymous Anônimo said...

Sim, eu concordo com você. É claro que deveriam logo surgir máquinas programadas para blefar e entender blefe, ou nanobots que aderem a humanos que blefam, ou afins. HAL9000 blefava, mas "Dr. Fantástico veio antes de 2001", eu disse ali. O meu receio é que o nosso poder de blefe nos impeça de chegar lá. Ou, chegando lá, sabe-se lá o que vai ser feito disso (Teoria da Relatividade = coisa legais, mas Hiroshima e Nagasaki também). Imagino que esse tenha sido o espírito da coisa em comparas com as perspectivas opostas entre o refrão e as estrofes de Idioteque.

De qualquer forma, se tiver tipo um apocalipse ubertecnológico, vai ser divertido de se presenciar, então a gente é privilegiado de qualquer jeito :) É tão excitante que estou disléxico, reparem a quantidade de vezes que eu apaguei e repostei esse comentário (o seu ali está repetido, apague vc também pra nós ficarmos numa singularidade).

10:12 PM  
Anonymous Anônimo said...

Não tem como apagar, perdi minha senha.

9:08 AM  
Anonymous Anônimo said...

Viu, existem óbices à singularidade.

8:23 AM  
Blogger Luis Calil said...

Nós vamos chegar "lá". Se tudo vai correr bem quando chegarmos lá, aí já é outra coisa. Tem um artigo enorme e aterrorizante do Bill Joy na Wired (http://www.wired.com/wired/archive/8.04/joy.html) onde ele especula as piores hipóteses. Mas eu prefiro me manter otimista quando (ou se) eu continuar esse post.

PS: Não há nada mágico no cérebro. É só uma questão de tempo até ele ser completamente compreendido. Já tem fMRI (do tamanho de um quarto, é claro) que consegue apontar um mentiroso.

10:18 AM  
Blogger Thiago Ortman said...

Sendo sucinto, pois estou morrendo de sono e tal. Mas na maior parte dos bons autores de sci-fi sempre houve esse argumento em pauta: até quando teremos controle da nossa "evolução" - nós ainda temos? já tivemos, enfim - portanto, é simples imaginar que as coisas vão começar a evoluir em uma velocidade absurda nos próximos tempos, porém, será que suportaremos? Veja bem, estou sendo repetitivo, mas realmente é algo que andei refletindo após esse texto. Além disso, quanto a questão de (ainda) sermos mais sagazes do que as máquinas, como o Luis disse, é só uma questão de tempo para haver uma compreensão dos nossos comportamentos a partir da decodificação ou o que quer seja do nosso cérebro... sendo assim, ninguém mais vai blefar e se dar bem contra a máquina.

também aguardo a segunda parte (espero que ela ainda vá existir), aliás, belo texto. Já são 6 da manhã e provavelmente as reflexões a partir dele irão me render mais alguns minutos de insônia...

ps: lembrem-me de não ouvir mais blues de madrugada, simplesmente não dá muita vontade de parar.

6:01 AM  
Blogger janaína navarro. said...

belo post.
fico também pensando como alguém aqui nesses aspectos política (ou melhor, humanidade moralista estúpida) x ciência. como ainda tem muita coisa no sentido de queimar bruxas.
mas é um belíssimo post. e a relação com radiohead me fez pensar "como esse filho da puta pode ser tão inteligente e ainda não estar naquela merda daquela faculdade indo tomar café comigo todas as tardes?"

7:21 AM  

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