SPIFF: Spiffado
(Acredito que não haja nenhum spoiler no texto todo)
Música-Chave da Viagem de Ida: "Solo Dancer", de Charles Mingus, do disco The Black Saint and the Sinner Lady que começou a tocar alguns segundos depois que o ônibus saiu da rodoviária. É uma das composições mais emocionantes de jazz que já ouvi, e transformar ela em uma trilha sonora enquanto observava Goiânia à noite à caminho da estrada foi uma ótima idéia.
Primeira Impressão do Hotel: Agradável, e com uma bela vista para a Consolação (que por si só, não é interessante). Seleção de canais estranha, e não tem Sony.
Quinta
Os Infiltrados (73):
Por mais divertido que seja, o filme dá a idéia do Scorsese apertando o botão do piloto automático e se reclinando na poltrona pra tomar alguns drinks; até O Aviador pareceu feito com mais vigor (e por isso eu o prefiro). Marty engata a história num ritmo fixo e mecânico, como um relógio bem projetado que não atrasa nunca, e por isso mantém um tom consistentemente tenso, mas poucas vezes – como na cena engenhosa envolvendo o chefe de polícia (Martin Sheen), a máfia irlandesa e a polícia num prédio abandonado – os acontecimentos se tornam realmente elétricos. Há a tentativa de criar uma estrutura temática envolvendo perda e/ou corrupção de Identidade, mas ela acabava virando uma bengala pra gerar motivação “psicológica” na narrativa, e só. O verdadeiro show em Os Infiltrados talvez sejam as atuações; não só Matt Damon e Leo DiCaprio estão extremamente competentes, e Nicholson carismático, mas cenas são constantemente roubadas por atores coadjuvantes, e quando eu digo isso, eu estou falando dos grandes Mark “Are you calling us cunts?” Whalberg e Alec “Marriage is an important part of getting ahead. It lets people know you're not a homo” Baldwin, que cospem as falas hilárias de William Monahan com convicção e timing cômico perfeito. Pelo menos 2 ou 3 desses pontos são pelo magnífico penteado que Whalberg ostentou.
Eu Não Quero Dormir Sozinho (n/a):
Mais hein. Eu não consegui dormir durante a viagem de ônibus, então o meu Corpo decidiu que o melhor momento pra repor esse sono seria durante o Mais Novo Filme de Tsai Ming-Liang. Quem sou eu pra discordar?
PS: Sim, eu vou revê-lo, eventualmente.
Sexta
Verão de 2004 (67): Família liberal passa as férias numa casa de verão próxima a um lago e tem seus destinos mudados pela chegada de um estranho. Soa familiar? Sim, Violência Gratuita é o óbvio ponto de comparação, e embora seus caminhos se divirjam, a dinâmica da família e as interações vagas sempre sugerindo certa tensão sexual, ou simplesmente a idéia de que algo ruim pode acontecer a qualquer momento, lembram bastante o trabalho de Michael Haneke. Uma cena particularmente boa (e tensa) envolve a mãe responsável pela namorada do filho dirigindo a noite para procurá-la na casa do vizinho. Só que ele – o carismático e ingênuo Bill Ginger – não é um psicopata e o filme não é um thriller. Seu efeito na família é emocional, algo como em Teorema do Pasolini; sua presença inspira um sentimento de competição do pai (como se ele precisasse demarcar seu território), desejo sexual na esposa e Só-Deus-Sabe o que na Lívia, a previamente mencionada namorada do filho. O final parece irritar as pessoas, mas só for encarado literalmente, o que não faz sentido quando o filme faz tanto esforço pra deixar as motivações sutis e obscuras. Além disso tudo, meu maior prazer, eu confesso, foi observar Martina Gedeck interpretando Miriam, a mãe da família; ela é extremamente talentosa e hipnoticamente sexy, e estou me referindo de uma mulher já nos seus 45 anos de idade (mulheres mais “velhas” não costumam parecer muito atraentes pra mim. Sinto muito mulheres acima de 45 anos de idade leitoras deste blog).
A Scanner Darkly (74): Sendo um eterno admirador do livro, eu consigo imaginar algumas dúzias de maneiras em que a adaptação poderia melhorar – e 20 minutos a mais não ia doer em ninguém (passou até muito rápido) – mas filme qua filme, é um ótimo novo acréscimo à filmografia de Linklater. O humor “stoner” do livro harmoniza perfeitamente com os ritmos desleixados do diretor (e a versão ideal do filme seria algo como Jovens, Loucos e Rebeldes: 32 Anos Depois, com umas 3 horas de duração), e embora a Paranóia – o que faz Dick ser Dick – não seja algo com que o Linklater esteja acostumado, ele consegue traze-la para a tela com competência. Uma pena que faltou outro aspecto importante do livro: a Melancolia. Os acontecimentos na história são filtrados por uma tristeza e certa nostalgia (já que é baseado em experiências reais do Dick), mas o filme não toca nesse aspecto, e parece satisfeito em mantê-lo um semi-thriller psicológico. Uma cena devastadora no livro, de quebrar o coração e fazer você buscar o lencinho – quando Donna chama Arctor para a casa dela, ele tenta avançar e ela o rejeita – no filme mal deixa qualquer impressão. Quando a dedicatória de Dick aos seus amigos viciados aparece antes dos créditos, ela parece totalmente fora de tom com o resto da obra.
Outro grande problema: Keanu Reeves não consegue atuar. Sinto muito, Keanu, eu sei que você tenta, mas você não tem as ferramentas necessárias pra revelar a complexidade de Robert Arctor. Um personagem já é sofrimento pra você, imagina um que é dividido em dois (!). O casting dele vem da aparente tentativa de Linklater de colocar viciados de verdade interpretando papéis de viciados (todos os atores no filme têm relacionamentos com drogas), ou para usufruir das suas experiências ou então como uma meta-piada sem muito propósito. Mas não vão ouvir muitas reclamações de mim na questão de casting; Robert Downey Jr. é estupendo como o semi-psicótico Jim Barris, e Woody Harrelson parece ter nascido pra interpretar um viciado vagabundo de 30 e muitos anos de idade que usa o nome Ernie Luckman e veste roupas de surfista. Esse é o outro filme do festival que fala sobre Identidade e tem seus coadjuvantes roubando todas as cenas, e algumas delas, como a da Bicicleta de 8 e/ou 19 Marchas, vão virar Momentos Clássicos do cinema em não muito tempo. Agradeçam ao Dick.
A Ilha de Ferro (n/a): A sala desse filme aparentemente era ruim. Aparentemente.
Sábado
Investigação de Um Cidadão Acima de Qualquer Suspeita (80): Preciso revê-lo pra ter certeza que a nota alta é merecida, e não só espanto, mas até eu onde eu consigo enxergar com clareza, esse filme (de 1970, da retrospectiva italiana) é fantástico. A premissa brilhante envolve um chefe da policia italiana matando sua amante e colocando pistas para incriminar si próprio, e é desenvolvida não só como um suspense, mas também como uma comédia de humor negro, amargo e cortante. Mas a verdadeira questão da premissa, e que possivelmente responde o ponto do filme, é: por quê? Não estou totalmente certo. Pode ser uma tentativa narcisista do Inspetor da Polícia (interpretado por Gian Maria Volonté, numa atuação espetacular, exagerada, e ardente) de mostrar e/ou confirmar toda a sua autoridade, o colocando acima de qualquer julgamento, ou algum tipo de afirmação sobre o quanto podre os que estão no poder estão dispostos a ignorar para não negarem sua própria existência – afinal, isso alimentaria os revolucionários mostrados no filme --, ou então é algo mais pessoal, uma forma de autopunição do protagonista, como um castigo para uma “criança levada” (o que a sua amante chama ele) que precisa levar umas palmadas. O filme até deixa implícito que parte da busca e obsessão por poder de personalidades autoritárias pode vir de impotência sexual – uma piada barata, mas de qualquer forma engraçada.
A direção lustrosa e elegante de Elio Petri, com zooms e tracking shots, uma textura granulada e cores vibrante, lembram o trabalho de De Palma, e ela é complementada por uma trilha cômica e evocativa de Ennio Morricone, mas o show francamente é todo do roteiro. Ele pode ser acusado de ser esquemático ou descarado ou óbvio, mas ele joga mais idéias sobre Poder e Submissão na mesa do que a maioria dos filmes políticos que eu já vi, e flui num ritmo macio e constante (como em Os Infiltrados, só que com mais entusiasmo). E eu não consigo lembrar de muitas falas de diálogo que não possuam um tom de sarcasmo hilário por trás do seu propósito de avançar a trama, o que já é uma façanha impressionante; Petri e seu co-roteirista Ugo Pirro, espremem da premissa todo tipo de humor possível. Infelizmente, eu não posso ser mais informativo que isso, pois eu realmente preciso revê-lo.
Volver (51): Não tenho muito o que falar sobre o novo do Almodóvar. Eu adorei seus dois últimos (isso porque ainda não vi Tudo Sobre Minha Mãe) e seu novo trabalho é engraçado, sóbrio, inteligente, e continua mostrando a mestria do cineasta com uma narrativa na mão (pelo menos até o primeiro ato). O resultado infelizmente é basicamente uma novela mexicana sofisticada, o que não é exatamente algo que me faz rodopiar em excitação. Eu adorei em Má Educação a forma em que o Almodóvar combinava as narrativas do passado e futuro, costurando tudo com habilidade; nesse, ele se contenta e deixar o passado no Passado, e a segunda metade do filme mostra os personagens discutindo o efeito de suas backstories nos seus relacionamentos no presente, e isso é francamente um saco. Duas coisas notáveis: 1) Penélope Cruz está ficando cada vez mais bonita com o tempo (ter pintado o cabelo de preto e usado rímel pelo filme inteiro certamente ajudou), e 2) A cena dela cantando a música espanhola com os dois violeiros é bastante emocionante (como esse tipo de cena costuma ser).
Still Life (n/a): Eu não vi esse filme. Ao invés disso, fiquei bêbado. E você, como vai?
Domingo
Edmond (55): Talvez o filme mais estranho do festival (sim). Parece que o Sr. Mamet ficou bêbado, cheirou coca e decidiu escrever um roteiro em uma sentada, sem muita preparação, deixando a sua indignação com a raça humana em geral fluir livremente. O resultado é episódico, sombrio e nojento. Ele grudou em mim desde que eu saí da sessão, me deixou semi-mal-humorado pelo resto do dia, e ainda me sinto um pouco sujo por ter o assistido. É sobre um homem racista e canalha em algum tipo de crise de meia idade, que deixa sua mulher após ouvir os conselhos de uma cigana e sai vagando pela noite, em busca de “uma trepada” e algum propósito na vida. Seus encontros com prostitutas geralmente acabam sem sucesso por sua insistência em tentar negociar um preço que faça sentido para ele, e essa ênfase em transações de dinheiro me alertou ao que o filme poderia ser sobre. Mas depois isso é deixado de lado, e o filme segue com uma série de encontros com negros que tentam assalta-lo, agredi-lo ou incrimina-lo, e isso inspira o seu já pré-existente racismo a monólogos absurdos e psicóticos. Isso, juntando ao monólogo de Joe Mantegna sobre “pretos” no começo, e ao ato final (que não vou revelar) dá a idéia de que Mamet está tentando fazer alguma afirmação sobre racismo, e esse é o seu Crash. Qual é exatamente o ponto dele? Sinto muito, não bateu ainda. Mas é definitivamente interessante...
12:08 A Leste de Bucareste (70): A segunda metade do filme, situada inteiramente na gravação de um programa de TV que os três personagens principais participam, podia ter dado um decente curta de humor, talvez um skit estendido de Saturday Night Live, como sugere o Mike D’Angelo. O que o transforma o “decente” em “muito engraçado” é que o filme passa a primeira metade observando cada um dos personagens, e sutilmente revelando aspectos da sua personalidade, nos deixando conhece-los. Quando eles começam a participar da gravação do programa, é como ver três amigos ou conhecidos seus aparecendo na TV e se fazendo de idiotas. O humor triplica em intensidade. Deixando claro o quanto eu me diverti, também achei o filme um pouco superficial. Há uma certa melancolia no propósito do programa de TV – decidir se uma micro-revolução aconteceu ou não numa cidadezinha da Romênia quando Ceaucescu renunciou –, tentando dar importância história a algo tão pequeno e insignificante, mas o alcance é limitado. Isso deve importar? Acho que não. É um filme sólido, humilde (me lembrou de Whisky no seu humor deadpan/distante) e feito com extrema competência, e expondo uma certa decadência na sua ambientação. Dois golpes emocionais que me acertaram em cheio: 1) quando o vendedor chinês liga para o programa e tenta elogiar o alcoólatra depois que ele foi humilhado (previsível, sim, mas funcionou), e 2) a primeira imagem do filme, da praça onde teria acontecido a revolução, reaparecendo no final, iluminada por luzes de Natal, agora com um Significado.
Paris, Te Amo (38): Diz o título, mas se os cineastas dos 20 curtas que compõe o filme realmente amassem Paris eles teriam se esforçado um pouco mais. O resultado é fraco. Como uma mulher que eu conheci na minha sessão disse: “16 merdas, 2 medíocres, 2 bons”. Minha reação não foi tão extrema, mas não tão distante assim. Os dois melhores foram os dos Irmãos Coen – que trabalham no modo Humor Escrachado de Arizona Nunca Mais com ótimos resultados – e, surpreendentemente, o de Tom Tykwer (Corra, Lola, Corra), que eu nem sabia que estava participando do projeto. É de Tykwer uma das melhores cenas que eu vi no festival todo: uma montagem em fast-motion mostrando o relacionamento de Natalie Portman e seu namorado cego se beijando, passeando, dançando, etc. Parece clichê, mas a montagem é feita com sofisticação e intensidade, e o resultado é arrepiante. Os curtas de Olivier Assayas e Gus Van Sant também são moderadamente agradáveis, o primeiro lembrando alguma cena cortada de Clean (com Maggie Gyllenhaal no papel da Maggie Cheung [devo admitir que a Maggie 1 está ficando quase tão atraente quanto a Maggie 2 nos meus olhos e etc]) e o segundo fugindo da Bela Tarr Corporation e fazendo algo mais tradicional (e gay). As verdadeiras atrocidades são as de Christopher Doyle – o talentoso diretor de fotografia de Wong Kar-Wai – e um envolvendo mímicos de um tal de Sylvain Chomet. Essas duas pessoas nunca mais devem receber o controle total de um filme; a segunda deve ser posta na cadeia. Anyway, entre o bom e o podre há um mar de medíocre que eu prefiro não comentar.
Segunda
Time (72): Inicialmente a minha nota estava com 10 pontos a mais. Eu a diminuí depois que a excitação inicial se dissipou (embora eu ache que vá subir de novo depois de uma segunda assistida), mas há como me culpar? Aqui está um filme tentando lidar com – e possivelmente explicar – alguns dos assuntos mais profundos que nós conhecemos: por que relacionamentos acabam? Por que a familiaridade precisa ser inversamente proporcional à paixão? Há alguma forma de burlar isso? O que nós pomos em risco tentando nos transformar-mos para agradar o parceiro? A mencionada familiaridade vem do interior ou do exterior? Etc. Eu não vejo como não ficar excessivamente estimulado com tudo isso, e o filme ainda costura esses pontos numa narrativa ágil e dramática. Várias cenas, especialmente no segundo ato, tiveram um peso melancólico que parecia dobrar de intensidade a cada cena, como se a obra estivesse invocando alguma Verdade sobre a natureza humana. Eu conheço pessoas que iam se beneficiar bastante de uma sessão de Time como uma terapia de 2 horas. De qualquer forma, prefiro não comentar extensivamente sobre ele até ter a oportunidade de revê-lo. Mas bom trabalho, Kim Ki-Duk (ou é Kim Ki-Duka).
Síndromes e Um Século (81): Por onde começar? Aquele plano em Mal dos Trópicos mostrando uma estátua religiosa coberta de luzes pisca-pisca de Natal dá uma boa idéia do que essa nova obra de Joe está tentando comentar (e eu digo “comentar”, e não “falar”, porque os filmes de Joe nunca parecem ter um Ponto em particular). Esse filme é uma expansão dessa justaposição do Velho e do Novo, do Espiritual e do Concreto, e o conflito que isso gera. Que metade do filme se passa num hospital do campo e a outra se passa num hospital da cidade é quase acidental. Uma estátua religiosa ao lado de uma quadra de basquete (na primeira metade), e depois comparada através de planos paralelos com a estátua de algum médico (na segunda metade). Um monge quer ser um DJ e gosta de pop moderno, mas “uma forma misteriosa” o mantém com aquele “robe ridículo” (nota-se que o monge é auto-consciente e “urbano” o suficiente pra achar o robe dele ridículo, ou pelo menos fingir que acha). Uma criança testa uma perna artificial. Outra foi intoxicada com gases e agora não se considera “humano”. Joe vai formando um mosaico com essa dicotomia, tanto que repete praticamente a mesma trama nas duas metades, com hospitais em localizações diferentes.
Ele julga uma melhor que a outra? Difícil de saber. No campo, a interação entre o monge e o dentista é muito mais afetuosa e agradável. Na cidade, em meio a aquele ambiente estéril e levemente intimidante, o monge parece visivelmente desconfortável. A esposa de um médico sugere para que eles se mudem para um ambiente industrial e hi-tech (mostrado numa montagem de fotos, que parecem imagens do set de Deserto Vermelho do Antonioni) e ele parece relutante. Falando em Antonioni, ainda há uma montagem de planos de ambientes vazios do hospital ao som de música ambiente horripilante que lembra o final de O Eclipse (e mostra que o diploma de arquitetura do Joe serviu pra alguma coisa). Ele parece estar favorecendo o campo afinal, não é? Mas como ter certeza? O filme inteiro é misterioso. Até os momentos mais simples são filmados de um jeito que Joe consegue invocar o espiritual e o Desconhecido. Um plano memorável mostra um tubo no hospital sugando uma neblina; qualquer que seja a sua interpretação disso no contexto do filme, a sensação que o plano passa é indiscutivelmente forte.
Dois parágrafos divagando e eu nem mencionei o senso de humor, o clima relaxante do campo, a montagem ao som de uma música de violão, a história repetida de Mal dos Trópicos do monge e os fazendeiros gananciosos, contada de um jeito levemente diferente (e ligada ao outro aparente tema do filme: Lembranças). É muita coisa. Eu quero rever urgentemente.
Dia Noite Dia Noite (78): É um filme perfeito. Literalmente. Impecável. A diretora Julia Loktev (que estava presente na nossa sessão) não comete nenhum erro. A nota só está (relativamente) baixa porque o conceito do filme tem certos limites. Mas dentro deles, é uma obra absolutamente maravilhosa, inspiradora, e definitivamente a maior surpresa do festival. É como se os Irmãos Dardenne decidissem fazer um filme apolítico sobre a experiência de ser um homem-bomba, e colocam esse peso nas mãos de uma adolescente de 19 anos. O foco da narrativa é inteiramente no processo físico desse encargo: a garota é despida de qualquer coisa que a identifique, segue uma série de rituais para entender qual é o plano e como a bomba vai funcionar, e é tudo filmado com câmera na mão e naturalismo inexorável. Ela corta as unhas, ela mija nas calças, ela come junk food enquanto espera a hora de executar o plano (por quê?), ela decora sua identidade falsa a repetindo várias e várias vezes (quase como uma oração). Ela fala com educação e sensibilidade. Temos close-ups de sua pele pálida (por quê?). Em uma cena, um dos guias dela explica como vai ser a explosão alfinetando o dedo dela: “Isso é tudo que você vai sentir.” O filme sugere densidade com sutileza, e nunca tem a pretensão de sugerir algum principal ponto além do peso emocional do processo em si. A segunda metade inteira do filme é tão implacável e intensa – os 40 minutos mais eletrizantes e desgastantes do festival todo – que nós (eu, V e Didier) não conseguimos simplesmente sair da sessão e voltar pra casa. Tivemos que ir pra um bar e beber até as tremedeiras (pelo menos as minhas) passarem.
Clube da Mostra: Genial. Bebidas de graça. Esse é todo o espírito do Cinema. O ambiente é agradável também.
Monitora Loira do Clube da Mostra: Olá. Você gostaria de casar comigo? Sim, você não me conhece, entendo o receio. Mas depois de ler esse post, pode ver que eu sou um homem que encara a vida com Paixão (a mesma Paixão que eu tenho pelo Cinema), e isso é uma qualidade invejável. Além disso, sou liberal, sensível, tolerante, bem humorado, adoro viajar e caminhadas na praia, adoro o pôr-do-sol e não tenho nada contra animais de estimação (eu tive alguns Esquilos da Mongólia - seus nomes eram Luke, Amidala e Espuleta - mas já faleceram). Quem sabe não somos perfeitos um para o outro. Caso a resposta ao meu pedido seja "Não", eu me contento com uma foto nua; envie no e-mail: folcouzala@yahoo.com. Obrigado.
Música-Chave da Viagem de Volta: "Slipping Husband", de The National, do disco Sad Songs for Dirty Lovers. Não, monitora, eu não serei um marido adúltero. Não deixe minha apreciação por essa música criar idéias erradas na sua cabeça. Acredito na fidelidade.
PS: Esse post é enorme. Veja bem.
5 Comments:
só faltou uma coisa para sua viagem ser perfeita.
Esse Whalberg é gostoso realmente
- o filme que você menos gostou é o que me despertou mais curiosidade.
- eu nem acredito que vocês viram um filme do joe e eu não.
- na equipe desses festivais de cinema sempre têm pessoas maravilhosas. depois te conto detalhes.
"- o filme que você menos gostou [PARIS, EU TE AMO] é o que me despertou mais curiosidade."
- Ristow
Única crítica minha a conter a palavra "gay": PARIS, EU TE AMO.
O que foi, Sr. Pinder. Já cansou de olhar pro Marky Mark. E o seu blog. Cadê.
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