Último Nunca. Agora ou à Noite.
A Última Noite (Spike Lee, 2002)
(83)
(quarta vez; segunda em DVD)
*O Spike consegue usar sua ambientação de NY explicitamente pós-11/9 como uma analogia ao drama dos personagens (ou vice-versa) sem parecer insensível ou delicado demais. O filme é sobre como o protagonista, Monty (Edward Norton), lida com as consequências trágicas que os seus erros (ser um traficante) trouxeram, e sobre como o seu arrependimento chegou tarde demais. Agora ele vai ter que assumir a responsabilidade e passar 7 anos na cadeia, simplesmente porque não conseguiu resistir à atração que seus erros apresentavam. Claramente, essa trajetória é semelhante à dos EUA, em relação à sua política externa: fizeram merda, a ignoraram, e foram subitamente acordados pelo ataque às torres gêmeas; agora perderam as suas liberdades, e é possível que nunca mais venham a ser os mesmos de antes. O mais crucial de tudo, aponta o filme, é que ainda há um grau de imaturidade em suas atitudes (tanto a de Monty quanto a do governo americano): eles se arrependem por terem sido pegos ("eu devia ter parado, colocado o dinheiro em ações, deixado crescer, mas eu fui ganancioso"), não por terem feito algo errado.
*Similarmente, todas os outros personagens do filme também são definidos pelas suas relutâncias em assumirem responsabilidades quando deviam: eles - Frank (Barry Peper, na melhor atuação - de várias - do filme) como o amigo, Naturelle (Rosario Dawson) como a namorada, e James (Brian Cox) como o papai - se odeiam e se culpam por não terem interferido na vida de Monty e tentado convencê-lo a largar o mau caminho de ser um traficante. Tanto Naturelle quanto James se beneficiaram dos lucros que Monty conseguia vendendo drogas - a primeira a vida de luxo que o namorado a proporcionava, o segundo as dívidas do seu bar pagas pelo filho. E há uma cena explícita (embora elegante e forte) onde Frank fala sobre como Monty está terminado, nunca mais será o mesmo, e devia ter se dado conta de seus erros antes de ter sido pego - tudo isso filmado perto de uma janela com vista para o Ground Zero (ex-local do World Trade Center); não há como negar as intenções de Lee. Até mesmo a (fenomenal, sensual) subtrama do amigo de Monty/professor Jacob (Philip Seymour Hoffman) e sua aluna Mary (a deliciosa Anna Paquin) corresponde ao tema: ele é tido como "o homem mais honesto da turma", mas não consegue resistir a tentação da sua atraente aluna, e se arrepende logo depois (quando é quase tarde demais).
*Aliás, eu preciso comentar sobre essa cena: Mary, chapada, entra no lounge em cima do People Mover (aquele dispositivo do Spike que faz parecer que os personagens estão flutuando), ao som daquela música fabulosa do Cymande, flerta e tenta seduzir Jacob, que desajeitadamente a afasta ("I give a shit! I give a shit!") - e ao mesmo tempo, hipnotizado pela tatuagem na barriga dela. Mary vai até o banheiro no momento em que a música do Cymande entra naquele breakdown; a camera a acompanha, e depois volta até Jacob, que está paralisado, com um olhar semi-desesperado de desejo. Ele sobe, se fecha no banheiro com ela, (desajeitadamente) beija ela, e retrai logo em seguida; quando ele sai do banheiro, a trilha explode, e Spike corta novamente pro People Mover, agora com Jacob e seu olhar hilário que parece uma mistura bizarra de frustração, arrependimento e tesão. A cena toda é filmada, escrita, atuada e montada com mestria. Há uma eletricidade no ar - na sequência do clube toda, mas culminando nessa cena - que é impossível resistir. Muito foda.
*Francamente, nenhuma grande reclamação - além de uns mínimos problemas estruturais com flashbacks levemente atrapalhando o ritmo da primeira hora, e algum abuso da (excelente) trilha de Terence Blanchard. Em geral, é um filme espetacular, com uma direção expressiva e cativante de Lee (lembrando um pouco Assayas). Sem falar a fotografia do Pietro, o roteiro do Benioff, o final muito emocionante, etc, etc.
Agora ou Nunca (Mike Leigh, 2002)
(61)
(DVD)
*Não tenho muito a dizer. É bom, tipicamente Leigh, lidando com a classe trabalhadora, "melodrama" do dia à dia, bla bla bla, etc. Situações convencionais e clichês injetadas com percepção humana aguçada, ambiente miserável variando entre o fascinante e o grotesco, etc. Beligerância é ruim, etc. Não é rico/expansivo em suas emoções/idéias para chegar em algum lugar realmente excitante, e tal. Mas definitivamente vale a pena. Obrigado, Leigh.
PS: Amanhã (ou depois) eu falo sobre Irma Vep, do Olivier Assayas. Que é foda. Talvez eu fale também do disco novo do Bloc Party. Que não é foda.
(83)
(quarta vez; segunda em DVD)
*O Spike consegue usar sua ambientação de NY explicitamente pós-11/9 como uma analogia ao drama dos personagens (ou vice-versa) sem parecer insensível ou delicado demais. O filme é sobre como o protagonista, Monty (Edward Norton), lida com as consequências trágicas que os seus erros (ser um traficante) trouxeram, e sobre como o seu arrependimento chegou tarde demais. Agora ele vai ter que assumir a responsabilidade e passar 7 anos na cadeia, simplesmente porque não conseguiu resistir à atração que seus erros apresentavam. Claramente, essa trajetória é semelhante à dos EUA, em relação à sua política externa: fizeram merda, a ignoraram, e foram subitamente acordados pelo ataque às torres gêmeas; agora perderam as suas liberdades, e é possível que nunca mais venham a ser os mesmos de antes. O mais crucial de tudo, aponta o filme, é que ainda há um grau de imaturidade em suas atitudes (tanto a de Monty quanto a do governo americano): eles se arrependem por terem sido pegos ("eu devia ter parado, colocado o dinheiro em ações, deixado crescer, mas eu fui ganancioso"), não por terem feito algo errado.
*Similarmente, todas os outros personagens do filme também são definidos pelas suas relutâncias em assumirem responsabilidades quando deviam: eles - Frank (Barry Peper, na melhor atuação - de várias - do filme) como o amigo, Naturelle (Rosario Dawson) como a namorada, e James (Brian Cox) como o papai - se odeiam e se culpam por não terem interferido na vida de Monty e tentado convencê-lo a largar o mau caminho de ser um traficante. Tanto Naturelle quanto James se beneficiaram dos lucros que Monty conseguia vendendo drogas - a primeira a vida de luxo que o namorado a proporcionava, o segundo as dívidas do seu bar pagas pelo filho. E há uma cena explícita (embora elegante e forte) onde Frank fala sobre como Monty está terminado, nunca mais será o mesmo, e devia ter se dado conta de seus erros antes de ter sido pego - tudo isso filmado perto de uma janela com vista para o Ground Zero (ex-local do World Trade Center); não há como negar as intenções de Lee. Até mesmo a (fenomenal, sensual) subtrama do amigo de Monty/professor Jacob (Philip Seymour Hoffman) e sua aluna Mary (a deliciosa Anna Paquin) corresponde ao tema: ele é tido como "o homem mais honesto da turma", mas não consegue resistir a tentação da sua atraente aluna, e se arrepende logo depois (quando é quase tarde demais).
*Aliás, eu preciso comentar sobre essa cena: Mary, chapada, entra no lounge em cima do People Mover (aquele dispositivo do Spike que faz parecer que os personagens estão flutuando), ao som daquela música fabulosa do Cymande, flerta e tenta seduzir Jacob, que desajeitadamente a afasta ("I give a shit! I give a shit!") - e ao mesmo tempo, hipnotizado pela tatuagem na barriga dela. Mary vai até o banheiro no momento em que a música do Cymande entra naquele breakdown; a camera a acompanha, e depois volta até Jacob, que está paralisado, com um olhar semi-desesperado de desejo. Ele sobe, se fecha no banheiro com ela, (desajeitadamente) beija ela, e retrai logo em seguida; quando ele sai do banheiro, a trilha explode, e Spike corta novamente pro People Mover, agora com Jacob e seu olhar hilário que parece uma mistura bizarra de frustração, arrependimento e tesão. A cena toda é filmada, escrita, atuada e montada com mestria. Há uma eletricidade no ar - na sequência do clube toda, mas culminando nessa cena - que é impossível resistir. Muito foda.
*Francamente, nenhuma grande reclamação - além de uns mínimos problemas estruturais com flashbacks levemente atrapalhando o ritmo da primeira hora, e algum abuso da (excelente) trilha de Terence Blanchard. Em geral, é um filme espetacular, com uma direção expressiva e cativante de Lee (lembrando um pouco Assayas). Sem falar a fotografia do Pietro, o roteiro do Benioff, o final muito emocionante, etc, etc.
Agora ou Nunca (Mike Leigh, 2002)
(61)
(DVD)
*Não tenho muito a dizer. É bom, tipicamente Leigh, lidando com a classe trabalhadora, "melodrama" do dia à dia, bla bla bla, etc. Situações convencionais e clichês injetadas com percepção humana aguçada, ambiente miserável variando entre o fascinante e o grotesco, etc. Beligerância é ruim, etc. Não é rico/expansivo em suas emoções/idéias para chegar em algum lugar realmente excitante, e tal. Mas definitivamente vale a pena. Obrigado, Leigh.
PS: Amanhã (ou depois) eu falo sobre Irma Vep, do Olivier Assayas. Que é foda. Talvez eu fale também do disco novo do Bloc Party. Que não é foda.
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