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sexta-feira, janeiro 19, 2007

Jogo da Dama; Vidas Ocultas

Vidas em Jogo (David Fincher, 1997)
(79)

(DVD; terceira vez)

*Possivelmente o melhor filme da praticamente impecável carreira de Fincher. O controle dele na direção é impressionante; cada plano parece meticulosamente selecionado e composto - até durante cenas de ação com cortes rápidos - e ele ainda consegue firmar um ritmo e um tom pela duração toda, sem tropeçar. Histórias do set são de que o Fincher é um perfeccionista disposto a refazer um plano várias vezes e se irritar com qualquer pessoa que não está dando o melhor de si - evidentemente. Ele sempre alcança o seu visual Fincheresco - escuro, meio arenoso, sombrio, frio - usando diretores de fotografia diferentes em cada projeto (nesse caso, o já consagrado Harris Savides), e conseguiu uma atuação maravilhosa do Michael Douglas - embora esse já esteja acostumado a interpretar canalhas arrogantes.

*Há algo nesse filme me atrai imensamente, e eu suspeito que seja o conceito da "Realidade se desmontando": a crescente sensação de que as coisas não são como parecem ser, a idéia do mundo à sua volta caindo aos pedaços, e paranóia que acompanha essa sensação - aparentemente eu sou suscetível à isso. Primer, Todos os Homens do Presidentes, Safe, etc: todos esses criam tal atmosfera com mestria e todos esses estão entre meus favoritos. Alguns dos momentos mais excitantes em Vidas envolvem o protagonista descobrindo o que é ou não parte do jogo, e.g. quando ele puxa os livros da estante do apartamento de alguém e percebe que são feitos de plástico, e que a geladeira está misteriosamente vazia.

*A história toda pode ser vista como uma metáfora para o poder terapêutico da Arte (vagos spoilers a seguir): Nicholas Van Orton permaneceu sua vida toda traumatizado com o fato de ter presenciado o suicídio de seu pai; o fato de que seu aniversário de 48 anos está chegando (a idade que seu pai morreu) só agrava tal fato. Ele está deprimido, e criou uma barreira de cinicismo impenetrável, deixando todos à uma certa distância confortável dele. De repente ele entra no "Jogo" (i.e. Cinema/Arte, etc), e aos poucos vai se deixando entrar em um novo mundo, aprendendo suas regras, tentando desvendar a sua trama. Tal "Jogo" tanto expôe o quanto ele esteve trancado em si mesmo por tantos anos quanto faz ele encarar o suicídio de seu pai frente a frente - eventualmente pulando do prédio como ele. Mas é falso; é uma armação, uma simulação. Nicholas sentiu tudo que seu trauma o privou, mas não precisou passar pelos efeitos perigosos de encarar o trauma de frente. Era tudo um presente do seu irmão/CRS (i.e. o Diretor/Artista) que teve o prazer de levá-lo em uma jornada e fazê-lo encarar seus problemas de frente. No final, é claro, Nicholas chora, e eu também. Nós somos a platéia e estamos gratos pela jornada.


A Dama Oculta (Alfred Hitchcock, 1938)
(80)

(AVI; no computador)

*Quem diria? Vi pela recomendação do Sr. Theo que disse ser o seu favorito do Hitch, e não me decepcionei. É um dos seus melhores, sem dúvida. Coincidentemente, esta história também envolve o conceito que eu expliquei nos meus comentários acima, o da "Realidade se desmontando" - e novamente uma nota alta; não pode ser coincidência, pode? - e o Hitch tira de letra.

*Mas mais impressionante ainda é como Hitch lida com as mudanças de tom, pulando de comédia screwball para suspense psicológico para drama de guerra sem perder o fôlego ou desinflar a força acumulativa do filme. É um toque de mestre deixar o primeiro ato inteiro num pequeno hotel, mostrando as confusões divertidas entre os visitantes e turistas lá hospedados, e assim introduzindo todos os personagens da trama; lá pela hora que você chega no trem (depois de uns 20-25 minutos), suas expectativas criadas para uma comédia screwball são subvertidas quando um acontecimento misterioso joga tudo de cabeça pra baixo. Hoje em dia, teriam pego a mesma história, eliminado todas as cenas no hotel, e brevemente introduzido os personagens já situados no trem, para chegar no gancho da trama o mais rápido possível. É por isso que mostram Hitchcock em cursos de cinema: para tentar combater os métodos e formulas de Hollywood que são vistos como regras necessárias.

*O que mantém o filme hilário mesmo depois que o suspense tomou conta da trama são dois personagens coadjuvantes - Charters & Caldicott - também hospedes do hotel e passageiros do trem, que fornecem comentários comicamente cínicos sobre os eventos da trama e sobre partidas de cricket. Naunton Wayne em particular (que interpreta Caldicott) tem um talento especial - um jeito natural, desengonçado e insolente de soltar/cuspir suas falas - que me fazia gargalhar ao ouvir qualquer uma de suas falas, até as não-intencionalmente engraçadas.

*O terceiro ato não mantém a energia dos dois primeiros, mas é redimido por um final maravilhoso.

*O filme provavelmente tem algum tipo de subtexto falando sobre o prejuízo do egocentrismo em tempo de guerra, a relutância em se envolver, etc, mas eu não prestei atenção o suficiente para fazer uma leitura decente ainda; estava muito entretido com a história em si. Vou tentar decifrar algo numa futura segunda assistida.