O Rosto Vermelho da Lula Infernal
A Lula e a Baleia (Noah Baumbach, 2005)
(75)
(DVD; segunda vez)
*O melhor do filme é a natureza idiossincrática das memórias de Baumbach, o que sedimenta o fato do filme ser realmente autobiográfico. Detalhes como a Mãe arrancando uma pele seca dos lábios, ou o Pai pedindo para os meninos esperarem no carro enquanto ele dirige pelo quarteirão procurando uma vaga; é esse tipo de coisa que torna o filme fascinante. É como ver uma série gravações caseiras da família (e a textura granulada da Super 16 com que o filme foi filmado ajuda), só que tremendamente bem editadas (o filme é conciso, cortante, e flui com perfeição) e dirigidas (câmera segurada na mão com elegância, jump-cuts, etc).
*Além disso, o humor perspicaz do Baumbach é hilário - dessa vez menos esnobe, mas não menos sutil. Jessie Eisenberg falando sobre um livro de Kafka que não leu: “Yeah, it’s very Kafkaesque”. Sua namorada: “Cause it’s written by Franz Kafka.” Ele: “Right. I mean, clearly.” Se você consegue enxergar o quanto esse diálogo é genial, o filme (e a obra de Baumbach e Whit Stillman) é para você.
Paraíso Infernal (Howard Hawks, 1939)
(76)
(DVD; segunda vez)
*É bastante Hawksiano (ha ha). Os primeiros 30-40 minutos são excelentes, a narrativa movendo agilmente entre eventos, introduzindo a personagem da Jean Arthur, o clima fogoso do bar sul-americano (não me lembro exatamente onde o filme se passa), a equipe carismática do aeroporto semi-clandestino – incluindo, é claro, Cary Grant, que está monstruosamente divertido – o primeiro acidente fatal e a forma com que ele é lidado. O filme apresenta um grupo de pessoas que precisa controlar e reprimir seus sentimentos devido à natureza de seus empregos (e isso obviamente acaba atrapalhando vários outros aspectos de suas vidas, etc). Depois disso, a Jean Arthur meio que desaparece do filme, a Rita Hayworth aparece num personagem meio sem graça, a narrativa arrasta um pouco – com a chegada do “piloto amoral” tornando o filme tematicamente mais interessante, mas não necessariamente mais empolgante. Ainda é ótimo em geral, com um final matador.
Tempo de Decisão (Noah Baumbach, 1995)
(71)
(DVD; duas vezes)
*Um 71 significa basicamente que o filme é ótimo, re-assistível e provavelmente ficaria entre os 15 melhores do seu ano de lançamento. Mas a experiência de ver Decisão (uma tradução apropriada mas idiota do título original: Kicking and Screaming) é muito mais valiosa. É provavelmente a melhor introdução para o mundo “esnobismo” cômico citado acima, explorado por Baumbach e Stillman. Personagens super-articulados e geralmente inteligentes reclamam egocentricamente de suas vidas, usam sarcasmo como um escudo de proteção do mundo, liderados pelo rei dos reis, Chris Eigeman. Nesse, são 4 amigos que acabaram de terminar a faculdade, mas decidem continuar não fazendo nada e evitando confrontos e responsabilidades no campus. São espertos demais para serem crianças, mas imaturos demais para serem adultos.
*Eu vi duas vezes seguidas (num espaço de 24 horas) simplesmente porque, embora o filme em si tenha uma estrutura errante, momentos desinteressantes e nenhuma trama para proporcionar propulsão, o prazer de vê-lo ainda é imenso. Não só pela auto-identificação – eu reconheci tanto o meu próprio comportamento ali (e de vários amigos) que foi meio assustador – mas também porque o senso de humor de Baumbach está em perfeita sincronia com o meu. Por exemplo: um dos personagens mais avoados (interpretado por Carlos Jacott) fica misteriosamente colocando o controle remoto da TV na sua mala toda vez que decide viajar; quando Jacott pergunta se o fato dele ter colocado a mão na boca depois de pegar em dinheiro pode fazer mal, Eigeman responde completamente sério: “É claro. São assim que germes se espalham.”; Parker Posey conta que traiu o namorado escrevendo isso letras grandes numa folha de caderno (toque de ouro: alguns segundos depois de mostrar a folha, ela desenha um smiley triste ao lado da mensagem). Há algo do tipo a cada minuto, embora eu prefira evitar mencionar qualquer coisa além disso, pra não estragar a experiência.
*Eu sinto que a nota vai subir a cada nova assistida.
Luzes Vermelhas (Cedric Kahn, 2004)
(73)
(DVD)
*Outro filme cujos primeiros 40 minutos são excelentes. Kahn dirige e constrói a narrativa com tremenda precisão e um ritmo perfeito; a própria experiência de ver um filme tão bem feito é quase mais excitante do que o que está acontecendo nele (embora isso também seja excitante). Perde um pouco de fôlego quando o protagonista dá A Carona, recupera nos eventos claustrofóbicos do dia seguinte (especialmente a maravilhosa cena dos 1001 telefonemas). Vejam.
O Segundo Rosto (John Frankenheimer, 1966)
(61)
(DVD; segunda vez)
*PARANOIA! DESESPERO EXISTENCIAL! ALGUM TIPO DE FESTA PAGÃ! JAMES RANDOLPH É GORDO! Frankenheimer filma tudo de um jeito histérico, esquentado e desleixado, que vai ficando mais e mais irritante. As encenações são desairosas, com os diálogos cheio de pausas estranhas e atuações mal-calibradas. O que esse filme precisava, no entanto, era de uma certa estabilidade para equilibrar a premissa absurda; eu consigo imaginar o David Fincher fazendo um remake excelente, ou melhor ainda, Antonioni no começo dos anos 60 (a segunda metade é o tipo de coisa que ele domina com mestria). Aliás, até o Kim Ki-Duk seria apropriado (Time lida com uma premissa similar e possuiu o clima ideal).
*Que eu ainda gostei do filme mostra o quanto essa premissa absurda tem potencial. O desespero existencial do protagonista não é lidado com muita habilidade, mas ele ainda está lá, e é extremamente palpável. O que exatamente satisfaria Wilson/Hamilton? Será que há algo que pode proporcionar essa satisfação? Etc.
Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças (Michel Gondry, 2004)
(81)
(Telecine; quarta vez)
*Não tenho o que falar. É brilhante em todos os sentidos. (Só a subtrama do povo da Lacuna Inc. no apartamento do Joel costumava me irritar um pouco, mas dessa vez foi agradável, e eu consigo enxergar sua necessidade).
Próximo post vai ser algum tipo de lista.
(75)
(DVD; segunda vez)
*O melhor do filme é a natureza idiossincrática das memórias de Baumbach, o que sedimenta o fato do filme ser realmente autobiográfico. Detalhes como a Mãe arrancando uma pele seca dos lábios, ou o Pai pedindo para os meninos esperarem no carro enquanto ele dirige pelo quarteirão procurando uma vaga; é esse tipo de coisa que torna o filme fascinante. É como ver uma série gravações caseiras da família (e a textura granulada da Super 16 com que o filme foi filmado ajuda), só que tremendamente bem editadas (o filme é conciso, cortante, e flui com perfeição) e dirigidas (câmera segurada na mão com elegância, jump-cuts, etc).
*Além disso, o humor perspicaz do Baumbach é hilário - dessa vez menos esnobe, mas não menos sutil. Jessie Eisenberg falando sobre um livro de Kafka que não leu: “Yeah, it’s very Kafkaesque”. Sua namorada: “Cause it’s written by Franz Kafka.” Ele: “Right. I mean, clearly.” Se você consegue enxergar o quanto esse diálogo é genial, o filme (e a obra de Baumbach e Whit Stillman) é para você.
Paraíso Infernal (Howard Hawks, 1939)
(76)
(DVD; segunda vez)
*É bastante Hawksiano (ha ha). Os primeiros 30-40 minutos são excelentes, a narrativa movendo agilmente entre eventos, introduzindo a personagem da Jean Arthur, o clima fogoso do bar sul-americano (não me lembro exatamente onde o filme se passa), a equipe carismática do aeroporto semi-clandestino – incluindo, é claro, Cary Grant, que está monstruosamente divertido – o primeiro acidente fatal e a forma com que ele é lidado. O filme apresenta um grupo de pessoas que precisa controlar e reprimir seus sentimentos devido à natureza de seus empregos (e isso obviamente acaba atrapalhando vários outros aspectos de suas vidas, etc). Depois disso, a Jean Arthur meio que desaparece do filme, a Rita Hayworth aparece num personagem meio sem graça, a narrativa arrasta um pouco – com a chegada do “piloto amoral” tornando o filme tematicamente mais interessante, mas não necessariamente mais empolgante. Ainda é ótimo em geral, com um final matador.
Tempo de Decisão (Noah Baumbach, 1995)
(71)
(DVD; duas vezes)
*Um 71 significa basicamente que o filme é ótimo, re-assistível e provavelmente ficaria entre os 15 melhores do seu ano de lançamento. Mas a experiência de ver Decisão (uma tradução apropriada mas idiota do título original: Kicking and Screaming) é muito mais valiosa. É provavelmente a melhor introdução para o mundo “esnobismo” cômico citado acima, explorado por Baumbach e Stillman. Personagens super-articulados e geralmente inteligentes reclamam egocentricamente de suas vidas, usam sarcasmo como um escudo de proteção do mundo, liderados pelo rei dos reis, Chris Eigeman. Nesse, são 4 amigos que acabaram de terminar a faculdade, mas decidem continuar não fazendo nada e evitando confrontos e responsabilidades no campus. São espertos demais para serem crianças, mas imaturos demais para serem adultos.
*Eu vi duas vezes seguidas (num espaço de 24 horas) simplesmente porque, embora o filme em si tenha uma estrutura errante, momentos desinteressantes e nenhuma trama para proporcionar propulsão, o prazer de vê-lo ainda é imenso. Não só pela auto-identificação – eu reconheci tanto o meu próprio comportamento ali (e de vários amigos) que foi meio assustador – mas também porque o senso de humor de Baumbach está em perfeita sincronia com o meu. Por exemplo: um dos personagens mais avoados (interpretado por Carlos Jacott) fica misteriosamente colocando o controle remoto da TV na sua mala toda vez que decide viajar; quando Jacott pergunta se o fato dele ter colocado a mão na boca depois de pegar em dinheiro pode fazer mal, Eigeman responde completamente sério: “É claro. São assim que germes se espalham.”; Parker Posey conta que traiu o namorado escrevendo isso letras grandes numa folha de caderno (toque de ouro: alguns segundos depois de mostrar a folha, ela desenha um smiley triste ao lado da mensagem). Há algo do tipo a cada minuto, embora eu prefira evitar mencionar qualquer coisa além disso, pra não estragar a experiência.
*Eu sinto que a nota vai subir a cada nova assistida.
Luzes Vermelhas (Cedric Kahn, 2004)
(73)
(DVD)
*Outro filme cujos primeiros 40 minutos são excelentes. Kahn dirige e constrói a narrativa com tremenda precisão e um ritmo perfeito; a própria experiência de ver um filme tão bem feito é quase mais excitante do que o que está acontecendo nele (embora isso também seja excitante). Perde um pouco de fôlego quando o protagonista dá A Carona, recupera nos eventos claustrofóbicos do dia seguinte (especialmente a maravilhosa cena dos 1001 telefonemas). Vejam.
O Segundo Rosto (John Frankenheimer, 1966)
(61)
(DVD; segunda vez)
*PARANOIA! DESESPERO EXISTENCIAL! ALGUM TIPO DE FESTA PAGÃ! JAMES RANDOLPH É GORDO! Frankenheimer filma tudo de um jeito histérico, esquentado e desleixado, que vai ficando mais e mais irritante. As encenações são desairosas, com os diálogos cheio de pausas estranhas e atuações mal-calibradas. O que esse filme precisava, no entanto, era de uma certa estabilidade para equilibrar a premissa absurda; eu consigo imaginar o David Fincher fazendo um remake excelente, ou melhor ainda, Antonioni no começo dos anos 60 (a segunda metade é o tipo de coisa que ele domina com mestria). Aliás, até o Kim Ki-Duk seria apropriado (Time lida com uma premissa similar e possuiu o clima ideal).
*Que eu ainda gostei do filme mostra o quanto essa premissa absurda tem potencial. O desespero existencial do protagonista não é lidado com muita habilidade, mas ele ainda está lá, e é extremamente palpável. O que exatamente satisfaria Wilson/Hamilton? Será que há algo que pode proporcionar essa satisfação? Etc.
Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças (Michel Gondry, 2004)
(81)
(Telecine; quarta vez)
*Não tenho o que falar. É brilhante em todos os sentidos. (Só a subtrama do povo da Lacuna Inc. no apartamento do Joel costumava me irritar um pouco, mas dessa vez foi agradável, e eu consigo enxergar sua necessidade).
Próximo post vai ser algum tipo de lista.
2 Comments:
Já viu The Big Sleep (À beira do abismo)?
Sim. É muito bom. Você já assistiu "O Valor de Usar Nomes Reais ou Nicks Consistentes na Seção de Comentários"? É foda. Já disponível em DVD.
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