There Will Be Blog

You got some nerve coming here

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Local: Goiânia, Goiás, Brazil

quarta-feira, janeiro 31, 2007

Artistas Semi-Frustrados

O Grande Truque (Christopher Nolan, 2006)
(80)

(DVD; terceira vez)

*É um filme sobre fé, sobre negação e escapismo, sobre auto-ilusão, e sobre arte em geral. Conta a história de dois mágicos que se esforçam e auto-sacrificam para fazer truques “inexplicáveis”, e conta também a história da platéia, na virada do século, que enxerga tais truques como a esperança de que há algo no mundo além do normal, do banal, do sólido – como na cena onde Angiers e Borden visitam o mágico chinês, e Angiers pergunta porque alguém como tal chinês agüentaria toda a farsa que ele vivia só por causa de um truque. A resposta de Angiers é simples: “É pra escapar de tudo isso”, acompanhada de alguns socos na parede ao lado dele. Como diz Cutter ao juiz quando explicando o trabalho de tais mágicos: “Eles são mágicos. Eles vivem para enfeitar verdades simples, e as vezes brutais”. O “Homem Transportado” não é só um truque fantástico, ele é Deus (ou a idéia de Deus). E ao invés da platéia tentar decifrar o segredo por trás da magia – que é provavelmente simples, decepcionante – eles ignoram isso, e se deixam levar pelo espetáculo e pela adrenalina de presenciá-lo. Pra eles, não é só entretenimento, é um contra-argumento, em resposta aos avanços científicos da época (com Edison e Tesla espelhando a competição entre Angiers e Borden).

*A ciência chega para proporcionar explicações e banalizar a magia. Quando Angiers vê um campo de neve com centenas de lâmpadas o iluminando, ele sente o mesmo tipo de espanto que a sua platéia sente ao ver um de seus truques. Mas o assistente de Tesla logo explica que eles estão apenas usando condução de eletricidade de uma forma pouco conhecida. O propósito da máquina de Tesla, criada para Angiers, é simular a “magia” de Borden – Angiers não acredita que há uma explicação simples, “um dublê” como Cutter sugere, assim como criacionistas preferem enxergar uma "ilusão complexa" na Evolução ao invés da explicação lógica de Darwin. Estamos falando da famosa terceira lei de Arthur C. Clarke: “Qualquer tecnologia suficientemente avançada é indistinguível de mágica.” A simulação científica do truque de Borden é tão impressionante que, quando o financiador vê Angiers executando tal truque, diz para “Enfeitar um pouco. Dê razões suficientes para o público duvidar.” Porque é a dúvida que os trazem a fé. Revelando o truque de Angiers como algo real, a esperança da platéia (de Algo Mais) se dissipa.

*O filme – filmes em geral, mas especialmente um como esse – funciona da mesma forma. Ele luta contra o nosso cinismo, nossa vontade de ver o que estamos assistindo como “mentira” – como risadas da platéia, mantendo distância da obra. Mas Angiers e Borden sabem porque eles fazem sua arte. Como Angiers diz no final: “A platéia sabe a verdade. O mundo é simples, miserável. Sólido até o fim. Mas se você puder enganá-los, mesmo por um segundo, então você pode fazê-los pensar. Então você pode ver algo muito especial... O olhar em suas faces.” É um tema poderoso, profundo. Que os irmãos Nolan se deram o trabalho de construí-lo e estruturá-lo em volta de uma narrativa tão densa e instigante já um feito de deixar qualquer espectador com o queixo no chão – especialmente pessoas que tem a ambição de criar algo similar. A cena onde Borden estréia o “Homem Transportado” – quando vemos pela primeira vez algo realmente “incrível” – foi um dos melhores momentos cinematográficos de 2006.


Perfume: A História de um Assassino (Tom Tykwer, 2006)
(76)

(Cinema; duas vezes)

*Antes de mais nada, eu imploro que qualquer pessoa que venha a ler este blog (sim, os milhares de vocês) veja este filme urgentemente, enquanto ele ainda está no cinema. Não só porque o seu efeito provavelmente irá diminuir em DVD, mas porque é importante que filmes como esse atraiam platéias. É ousado, caro, e facilmente ridicularizado – eu já vi duas vezes, e a platéia riu em vários momentos (intencionais ou não) em ambas as sessões. Mas se você se deixar levar pela história absurda e pelo tom perturbador – uma mistura de sensacionalismo sombrio e humor negro – terá uma experiência memorável (não estávamos falando disso agora pouco?...).

*Tom Tykwer pegou o romance pervertido de Patrick Suskind e o adaptou como um aprendiz (consideravelmente mais energético) de Stanley Kubrick. O tom perturbador que eu mencionei acima é similar ao de Laranja Mecânica – outra história com um protagonista imoral e egocêntrico, onde vemos seus atos terríveis com um certo senso de humor – e ao de Barry Lyndon. A diferença, nesse caso, é que Grenouille (o jovem com o olfato mais potente do mundo) é um Artista. Como em O Grande Truque, vemos durante boa parte do filme os sacrifícios (nesse caso, não pessoais) do protagonista em nome de sua arte. Como nasceu num lugar pútrido – o mercado de peixes de Londres – e sem a menor educação, ele não tem um senso de moralidade, e vê seus objetivos como tão importantes quanto qualquer coisa no mundo. Não tem também nenhuma auto-estima: nunca foi amado, ou apreciado, sempre tratado como um escravo ou um animal, menosprezado. Quando vai até uma caverna numa montanha longe da civilização, onde supostamente o seu olfato é relaxado pela falta de cheiros, ele percebe que ele mesmo não tem nenhum odor próprio. É um dos temas do filme: a idéia de que o artista nasce da união de um talento especial e da vontade universal de ser amado e apreciado.

*(SPOILERS do Final) Se a revelação da obra-prima de Borden em O Grande Truque foi um dos melhores momentos de 2006, a revelação da obra-prima de Grenouille no final de Perfume será provavelmente o melhor momento de 2007. A cena da orgia não é transcendental apenas por mostrar o efeito orgástico da arte numa platéia, mas também por introduzir outro tema fascinante ao filme: a capacidade da arte em proporcionar um prazer tão grande que atravessa e cancela o nosso julgamento moral. Como o Matt Zoller Seitz disse na crítica dele, essa é como a história de Roman Polanski, de Michael Jackson, etc. O perdão instantâneo da multidão, e transformação de Grenouille de um prisioneiro odiado para uma Pop Star é tão impressionante e excitante que eu nem me importei com as risadas depreciativas que estavam vindo da platéia (filhos da mãe cinicamente tentando manter ditância... veja acima). E o filme prossegue com a sua metáfora, mostrando que a adoração da arte de Grenouille não significa uma adoração da sua essência, se é que ele tem uma. Mover as pessoas ao êxtase não é o suficiente para o seu objetivo (ao contrário de Angiers). (FIM dos SPOILERS)

*Em termos de invocar com sucesso a ambientação de época, Perfume vence O Grande Truque. Por mais que Nolan seja um diretor competente, e por mais que Truque seja o seu melhor trabalho até agora (em termos de direção), Tom Tykwer deixa cada plano vívido e quase icônico. A fotografia é maravilhosa e a direção de arte é uma das melhores que eu já vi. Ben Whishaw está perfeito no papel difícil do enigmático, calado e quase selvagem Grenouille. A trilha sonora é linda, e a narração de John Hurt (entre outras semelhanças a Dogville) está impecável. E é inacreditável que gastaram tanto (por volta de 60 milhões de dólares) dinheiro num filme tão obsceno e controverso.

*Na primeira vez que vi o filme, dei um 80. Minha vontade de rever o final foi tão enorme que eu decidi voltar ao cinema no dia seguinte, e baixei um pouco a nota. Mas o filme continua maravilhoso; as únicas falhas reais são o Dustin Hoffman escalado num papel completamente errado pra ele, e o ritmo arrastado de porções do segundo ato (que pesam bastante se você viu o filme à menos de 24 horas). De qualquer forma, assistam.

quinta-feira, janeiro 25, 2007

Déja Vel. Babu.

Babel (Alejandro González Iñarritu, 2006)
(48)

(cinema)

*Tirando a subtrama da garota surda-muda japonesa, nenhuma das outras possui qualquer forma de drama de verdade (i.e. psicológico, conflitante). São simplesmente histórias onde você segue alguns personagens até um ponto onde algo bem estúpido e forçado acontece, e depois vê como os personagens lidam com isso. Mas senhor Guillermo Arriaga (o roteirista), qualquer otário pode escrever isso! Pegue o segmento situado em Marrocos (pra eu não ter que estragar nada, já que o que acontece neste segmento aparece no trailer): o pai de dois garotos compra um rifle, e o entrega para que os meninos o usem pra caçar lebres (ou alguma merda assim). Eles começam a brincar de dar tiros em pedras, e eventualmente, um dos dois pentelhos decide disparar um tiro contra um carro. É claro, para acreditar que algum menino faria isso, é necessário uma grande quantidade de boa vontade, o que eu estava disposto a dar naquele ponto do filme. Ainda sim, a trama em Marrocos realmente acaba . O resto envolve a polícia chegando, os meninos contando pro pai o que aconteceu, e eles fugindo (e no final algo ruim acontece). Não há conflito, não há detalhes, e nem chega a envolver diretamente o tema unificante do filme, que é sobre como a dificuldade em comunicação resulta em conflito (ainda mais num mundo cada vez mais globalizado/interconectado). Se este segmento virasse um curta, independente das outras sessões, a sua inutilidade ficaria ainda mais evidente, e a sua "mensagem" seria algo idiota como "não dê armas para seus filhos" ou "não brinque com armas atirando em carros".

*Semelhantemente, o segmento do Brad Pitt - também sem qualquer vestígio de Drama de verdade - pode ser resumido como "não leve um tiro no deserto, senão você vai se ferrar", e a subtrama da empregada que leva os filhos para o México pode ser resumida como "não tenha um primo maluco chamado Gael Garcia Bernal" (o incidente que leva ao conflito desse segmento é tão estúpido que precisa ser visto para ser acreditado).

*Já a subtrama da japonesa realmente possui interesse, e explora não acidentes forçados, mas comportamento humano básico. Envolve uma garota surda-muda que não consegue se conectar com as pessoas através de comunicação tradicional (tema!), então começa a usar sua sexualidade (impulsionada pela puberdade) como uma forma substituta de comunicação. Ela começa a lamber o rosto do dentista dela, mostrar a vagina para jovens que esnobam ela, etc. São ótimas cenas, e somadas ainda à experiência dela numa boate - com o Iñarritu habilmente cortando entre o ponto de vista dela (silêncio) e o da boate (música alta) - formam pelo menos um segmento que tem detalhes e interesse o suficiente para se tornar um curta independente do resto. E a Rinko Kikuchi é talentosa, além de ser sexy.

*Mas se eu estou predominantemente esculachando o filme, porque a nota tão alta? Francamente, nem sei mais. Quando eu saí do cinema, estava por volta de 54, mas foi caindo ao longo do dia, e hoje um 48 parecia bem mais sensato. Eu devo admitir que enquanto estava na minha frente, o filme fez efeito o suficiente para me manter pelo menos parcialmente interessado nos acontecimentos (apesar das idiotices). O Iñarritu tem algum talento como diretor - veja a previamente citada cena da boate, ou a montagem da festa de casamento mexicana - e ele se cerca de rapazes talentosos: Rodrigo Pietro (de A Última Noite) na fotografia, e Gustavo Santaolalla (de O Segredo de Brokeback Mountain) compondo a trilha, ambos fazendo muito bom trabalho. E embora seja uma técnica barata e descartável, cortar entre várias subtramas diferentes ainda consegue criar uma certa tensão e interesse (quando seguir uma só delas geralmente acabaria em tédio) - e é por isso que tal técnica está cada vez mais popular (e.g. o horroroso Crash). O problema é Guillermo Arriaga, que consegue escrever diálogos clichês e idéias mal-passadas em 4 línguas diferentes (veja só!). Eu ouvi falar que ele e Iñarritu tiveram algum tipo de desentendimento, e vão parar de trabalhar juntos. Acho que pode se apontar para uma nova esperança em Iñarritu como um cineasta competente; basta ele não achar alguém ainda mais idiota para substituir Arriaga.


Déja Vu (Tony Scott, 2006)
(63)

(cinema)

*Eu não tenho muita paciência para os delírios estilísticos ultra-exagerados que o Tony Scott anda utilizando recentemente (desde que ele "dominou sua técnica"), e prefiro seu trabalho competente e mais "sutil" em algo como Dias de Trovão (sim, é bom). Mas quando ele tem um roteiro decente nas mão, ele até que não atrapalha muito. E o roteiro deste filme - apesar de usar uma "lógica" de viagens no tempo que na verdade é totalmente ilógica (resumindo, basicamente nada no filme faz sentido) - é bom, gerando suspense e ação da premissa furada, e mantendo um rítmo forte e uma apreciável falta de estupidez e clichês (só de pensar que Deja Vu tem menos clichês que um filme indicado ao Oscar...); i.e. é digno de Larry Cohen. Terry Rossio, um dos roteiristas, tem um certo talento de sempre dar um leve toque de frescor pra grande parte das situações batidas - e eu sei que é intencional porque já li suas boas colunas sobre criação de roteiro. E o que Rossio e seu co-escritor Bill Marsilii conseguiram alcançar com a cena de perseguição de carros em duas linhas de tempo - excitante, original, digna de aplausos, etc - é o tipo de coisa que perdoa muitos furos e erros.


PS: Filhos da Esperança aparentemente não entrou em cartaz, foi só um erro do Cineclick.

PPS: Eu provavelmente vou escrever algum tipo de top 10 dos melhores filmes que estrearam comercialmente no Brasil em 2006, em breve.

quarta-feira, janeiro 24, 2007

O Grande Golpe: Woody, Barry, Johnny & June

EU ODEIO FIREFOX E EU ODEIO DEUS
EU ODEIO FIREFOX E EU ODEIO DEUS
EU ODEIO FIREFOX E EU ODEIO DEUS

Eu escrevi a porra do post inteiro e o Firefox travou e fechou e todo o texto desapareceu (mas o título, surpeendentemente, ficou!). Puta que pariu, viu.

Aqui vai uma versão breve, impaciente e inferior:

Toy Story 2 (John Lasseter, 1999)
(81)

(DVD; segunda vez)

*O mais impressionante dessa animação implacavelmente divertida é que nela é incorporada um dos dilemas filosóficos mais profundos que eu me lembro ter visto em um filme. Woody precisa escolher entre a efemeridade junto aos seus amigos/família ou a eternidade estéril – viver trancado em uma caixa de vidro, para ser apreciado de longe – e tal dilema é realmente conflitante, não só porque Lasseter consegue montar um argumento forte para a segunda opção, mas também porque outros brinquedos (a Jessie, o Prospector, e o cavalinho) dependem da decisão. O amor e momentos genuínos de felicidade compensam viver temendo ser rasgado e/ou abandonado (como acontece com Jessie, no maravilhoso flashback [excluindo a canção])? Ou será que o medo de Woody é tão aleijante que permanecer eternamente preservado e seguro parece uma opção melhor? Etc.

*Mas puta que pariu, esse Firefox, viu. Puta. Que. Pariu.

*A segunda linha da narrativa – envolvendo Buzz Lightyear & Cia. numa tentativa de resgatar Woody das mãos de “Newman Animado” – é hilária e extremamente engenhosa. Como o Theo disse em sua crítica, parece o trabalho de viciados em quebra-cabeças/charadas, criando situações e obstáculos malucos para eles terem que superar. E ainda há a já aclamada, semi-clássica cena onde Buzz encontra uma nova versão sua numa loja de brinquedos – e mais crucialmente, uma versão que ainda não superou sua auto-ilusão, como Buzz fez no filme original. A situação não é só comicamente explorada, mas psicologicamente também; quando o Buzz finalmente admite a vergonha e diz “Tell me I wasn’t this deluded”, você percebe que está vendo algo realmente especial.

*O final do primeiro é levemente melhor, mas que se foda (e que se foda o Firefox). Ambos são espetaculares – e vão continuar melhorando com o tempo, eu suspeito.


Barry Lyndon (Stanley Kubrick, 1975)
(71)

(DVD; segunda vez)

*O filme é impressionante, mas ele lhe mantém a uma certa distância; Kubrick raramente abre espaço para uma conexão realmente forte. Só nos 40 minutos finais (de 3 horas de duração) é que a obra realmente “engata a terceira” (me perdoem a metáfora), com o crescimento de Lorde Bullingdom, se tornando um homem arrogante, frustrado, beligerante e extremamente compulsório para a platéia (excelente trabalho de Leon Vitali). O grande duelo final só é a única cena realmente eletrizante do filme pois posiciona a nossa relutante empatia por Bullingdom contra a nossa relutante simpatia por Barry Lyndon, que foi acumulada durante o filme.

*Assim como em O Iluminado, o drama do filme de vez em quando desliza para sátira/comédia (provavelmente intencional). Não há como segurar a risada quando a “pobre mãe” de Barry, depois de se acostumar com a vida de nobreza, começa a armar esquemas contra a esposa rica dele para manterem sua parte do ouro. Infelizmente, o filme não vai nem para um lado nem para o outro com muita freqüência.

*Kubrick e o seu fotógrafo John Alcott utilizam lentes especiais para remover a profundidade dos planos, e o efeito é espetacular – como (sim) uma pintura do século 18. Sem falar nas cenas à luz de velas.


O Grande Golpe (Stanley Kubrick, 1956)
(72)

(DVD; segunda vez)

*Eu já não tinha muito pra falar na primeira vez que escrevi, e não estou com paciência pra repetir (a bosta do Firefox...). O filme é forte, frio e empolgante, e com um final maravilhosamente cínico (“Eh, what’s the difference?”). Sterling Hayden e Marie Windsor arrasam. Qualquer dúvida, perguntem na seção de comentários abaixo.

*Sim, eu estou revendo vários filmes.


Johnny & June (James Mangold, 2005)
(52)

(DVD)

*Comicamente similar à Ray, do ano anterior. Não, não, saca só: Johnny nasce numa fazenda no campo (como Ray), é traumatizado pela morte de seu irmão (como Ray), decide seguir uma carreira arriscada de músico (como, sim, o velho Ray), alcança tremendo sucesso (como quem? Sim, Ray), começa a usar drogas e ter problemas matrimoniais (“Hit the road, Jack”), o vício nas drogas o leva à cadeia e ao fundo do poço (“And don’t you come back no more”), mas ele dá a volta por cima (“No more, no more, no more”). A diferença crucial, é claro, é que a história de Cash é enquadrada pelo seu amor cada vez mais desesperado por June Carter. Isso diminui um pouco a sensação de que estamos assistindo uma reconstituição obscenamente bem produzida de algum documentário do A&E Mundo sobre Cash.

*Reese Witherspoon está incrível; ela sozinha justifica a existência deste filme. Joaquin Phoenix está compentente.

*O filme comete um erro grave (ou “pisada grave”, a gíria preferida atual de meus amigos) com a esposa de Cash. Não há sequer uma cena no filme onde ela é apresentada como alguém que não seja extremamente infeliz, irritante e beligerante. Onde está o drama se Cash se casou com a Pessoa Mais Enjoada do Universo dos Biofilmes? Corra, Johnny, corra.

*Mas a Reese Witherspoon está incrível (ao contrário do Firefox).


PS: Deja Vu e Filhos da Esperança estrearam nos cinemas de Goiânia, e provavelmente vou ver ambos hoje. Esperem comentários em breve (de filmes com os quais as pessoas ainda se importam[!]).

PPS: O Babal também é uma possibilidade, embora a minha expectativa esteja situada em algum lugar no Oceano Índico.

sexta-feira, janeiro 19, 2007

Jogo da Dama; Vidas Ocultas

Vidas em Jogo (David Fincher, 1997)
(79)

(DVD; terceira vez)

*Possivelmente o melhor filme da praticamente impecável carreira de Fincher. O controle dele na direção é impressionante; cada plano parece meticulosamente selecionado e composto - até durante cenas de ação com cortes rápidos - e ele ainda consegue firmar um ritmo e um tom pela duração toda, sem tropeçar. Histórias do set são de que o Fincher é um perfeccionista disposto a refazer um plano várias vezes e se irritar com qualquer pessoa que não está dando o melhor de si - evidentemente. Ele sempre alcança o seu visual Fincheresco - escuro, meio arenoso, sombrio, frio - usando diretores de fotografia diferentes em cada projeto (nesse caso, o já consagrado Harris Savides), e conseguiu uma atuação maravilhosa do Michael Douglas - embora esse já esteja acostumado a interpretar canalhas arrogantes.

*Há algo nesse filme me atrai imensamente, e eu suspeito que seja o conceito da "Realidade se desmontando": a crescente sensação de que as coisas não são como parecem ser, a idéia do mundo à sua volta caindo aos pedaços, e paranóia que acompanha essa sensação - aparentemente eu sou suscetível à isso. Primer, Todos os Homens do Presidentes, Safe, etc: todos esses criam tal atmosfera com mestria e todos esses estão entre meus favoritos. Alguns dos momentos mais excitantes em Vidas envolvem o protagonista descobrindo o que é ou não parte do jogo, e.g. quando ele puxa os livros da estante do apartamento de alguém e percebe que são feitos de plástico, e que a geladeira está misteriosamente vazia.

*A história toda pode ser vista como uma metáfora para o poder terapêutico da Arte (vagos spoilers a seguir): Nicholas Van Orton permaneceu sua vida toda traumatizado com o fato de ter presenciado o suicídio de seu pai; o fato de que seu aniversário de 48 anos está chegando (a idade que seu pai morreu) só agrava tal fato. Ele está deprimido, e criou uma barreira de cinicismo impenetrável, deixando todos à uma certa distância confortável dele. De repente ele entra no "Jogo" (i.e. Cinema/Arte, etc), e aos poucos vai se deixando entrar em um novo mundo, aprendendo suas regras, tentando desvendar a sua trama. Tal "Jogo" tanto expôe o quanto ele esteve trancado em si mesmo por tantos anos quanto faz ele encarar o suicídio de seu pai frente a frente - eventualmente pulando do prédio como ele. Mas é falso; é uma armação, uma simulação. Nicholas sentiu tudo que seu trauma o privou, mas não precisou passar pelos efeitos perigosos de encarar o trauma de frente. Era tudo um presente do seu irmão/CRS (i.e. o Diretor/Artista) que teve o prazer de levá-lo em uma jornada e fazê-lo encarar seus problemas de frente. No final, é claro, Nicholas chora, e eu também. Nós somos a platéia e estamos gratos pela jornada.


A Dama Oculta (Alfred Hitchcock, 1938)
(80)

(AVI; no computador)

*Quem diria? Vi pela recomendação do Sr. Theo que disse ser o seu favorito do Hitch, e não me decepcionei. É um dos seus melhores, sem dúvida. Coincidentemente, esta história também envolve o conceito que eu expliquei nos meus comentários acima, o da "Realidade se desmontando" - e novamente uma nota alta; não pode ser coincidência, pode? - e o Hitch tira de letra.

*Mas mais impressionante ainda é como Hitch lida com as mudanças de tom, pulando de comédia screwball para suspense psicológico para drama de guerra sem perder o fôlego ou desinflar a força acumulativa do filme. É um toque de mestre deixar o primeiro ato inteiro num pequeno hotel, mostrando as confusões divertidas entre os visitantes e turistas lá hospedados, e assim introduzindo todos os personagens da trama; lá pela hora que você chega no trem (depois de uns 20-25 minutos), suas expectativas criadas para uma comédia screwball são subvertidas quando um acontecimento misterioso joga tudo de cabeça pra baixo. Hoje em dia, teriam pego a mesma história, eliminado todas as cenas no hotel, e brevemente introduzido os personagens já situados no trem, para chegar no gancho da trama o mais rápido possível. É por isso que mostram Hitchcock em cursos de cinema: para tentar combater os métodos e formulas de Hollywood que são vistos como regras necessárias.

*O que mantém o filme hilário mesmo depois que o suspense tomou conta da trama são dois personagens coadjuvantes - Charters & Caldicott - também hospedes do hotel e passageiros do trem, que fornecem comentários comicamente cínicos sobre os eventos da trama e sobre partidas de cricket. Naunton Wayne em particular (que interpreta Caldicott) tem um talento especial - um jeito natural, desengonçado e insolente de soltar/cuspir suas falas - que me fazia gargalhar ao ouvir qualquer uma de suas falas, até as não-intencionalmente engraçadas.

*O terceiro ato não mantém a energia dos dois primeiros, mas é redimido por um final maravilhoso.

*O filme provavelmente tem algum tipo de subtexto falando sobre o prejuízo do egocentrismo em tempo de guerra, a relutância em se envolver, etc, mas eu não prestei atenção o suficiente para fazer uma leitura decente ainda; estava muito entretido com a história em si. Vou tentar decifrar algo numa futura segunda assistida.

domingo, janeiro 14, 2007

Sangue de Irma Vep: Diamante

Irma Vep (Olivier Assayas, 1996)
(76)

(AVI, no computador)

*O Assayas não perde uma oportunidade, aquele malandro. A sua protagonista (Maggie Cheung) é uma das mulheres mais atraentes e charmosas do mundo (que também, por acaso, era sua esposa na época), e suas duas coadjuvante principais (Nathalie Richard; Nathalie Boutefeu) são praticamente o equivalente. E embora isso possa parecer irrelevante, o fato delas serem atraentes realmente ajuda o filme. Porque não é sobre a progressão da trama, é sobre a vida de momento a momento. A história é sobre o remake atual de um antigo seriado francês do Feudaille chamado Les Vampires, cujo diretor (Jean-Pierre Leaud, apropriadamente semi-psicótico) decide chamar uma atriz chinesa desconhecida para o papel principal. As filmagens do remake são problemáticas e frustrantes, mas Assayas filma de um jeito que faz tudo parecer uma festa, particularmente uma da qual você não tem o menor interesse de sair.

*A subtrama envolvendo uma das beldades já mencionadas - sobre uma figurinista lésbica que acaba tendo uma queda enorme pela Maggie (e quem pode culpá-la?) - é tocante, simplesmente porque Nathalie Richard rouba o show com a melhor atuação do filme, e sua frustração com a aparente impossibilidade do relacionamento é filtrada pelo seu enorme carisma. A cena que ela tenta convencer a Maggie a entrar numa boate com ela é de partir o coração. Vocês tem que ver...

*O filme é cheio de pequenos momentos maravilhosos - como quando Nathalie Richard (lá vem ela de novo) coloca a máscara da protagonista de Les Vampires e solta fumaça de cigarro pelos buracos dos olhos - mas não faz sentido eu descrevê-los. Procurem assistir esse. Eu já imagino que vá subir a nota com mais algumas assistidas. E toca "Bonnie & Clyde" do Serge Gainsburg nele. Sério, não tem erro.


Diamante de Sangue (Edward Zwick, 2006)
(52)

(Cinema)

*Esse filme é cheio de problemas, mas suas cenas de ação são indiscutivelmente fortes. A mise-en-scene do Zwick é meio morta durante cenas de diálogo e progressão da trama, mas quando homens empolgados segurando metralhadoras e lança-mísseis surgem na tela, ao som de hip-hop num volume moderadamente baixo, ele de repente vira Spielberg Light e injeta adrenalina e energia nos eventos. A técnica é a mesma de sempre: camera na mão, montagem rápida e caótica, relances de carnagem e sangue, gritaria e correria, etc. Mas funciona. Particularmente uma disputa entre o grupo rebelde F.U.R. e o exército da ONU no meio de uma cidade (onde, por acaso, DiCaprio e Hounsou estão posicionados), e uma perseguição dos personagens principais num jipe de jornalistas pelo mesmo grupo rebelde, lá para o meio do segundo ato.

*Jennifer Connelly tem o papel desagradável da esteriotípica jornalista virtuosa, mas ela está muito mais solta e relaxada do que nos últimos papéis que eu a vi, e ela consegue fazer o personagem não parecer tão irritante quanto deveria ter sido. E não atrapalha que Connelly é tão bonita que ela quase pode ser classificada como uma aberração da natureza (ela parece estar melhorando com o tempo). Leo DiCaprio luta com um sotaque africano e a briga termina em um empate, mas ele está competentemente astuto e malicioso; Djimon Hounsou parece excessivo, mas eu não tenho certeza que isso é má direção ou simplesmente minha falta de costume com a forma que africanos se expressam. Eu suspeito o primeiro.

*Qual é o valor desse filme? É uma história seguindo uma fórmula batida que, embora ocasionalmente excitante, permanece convencional e previsível. E é parcialmente maniqueísta, com o F.U.R. previamente mencionado (Frente Unida Revolucionária) apresentado como vilões estúpidos cujo chefe tem uma agourenta cicatriz no olho e transforma crianças em máquinas de matar - não que tudo isso não possa ser verdade, mas seria de valor muito maior tentar apresentar argumentos para a existência desse grupo, porque eles querem existir (além de lavagens cerebrais) e se o papel deles é totalmente não-justificado. Mas o filme até que serve seu papel de conscientizar a população sobre os conflitos em Sierra Leone pelo tráfico de diamantes, e provavelmente vai convencer alguns Joãos e Marias a perguntarem se o anel de noivado que estão comprando é "livre de conflito" (aqui no Brasil, o atendente provavelmente vai achar que você tá falando de alguma alergia cutânea).

*Envolvente, mas didático. Ocasionalmente bobo, mas ocasionalmente excitante. Útil, mas superficial. Vale a pena? Você decide.

sexta-feira, janeiro 12, 2007

Último Nunca. Agora ou à Noite.

A Última Noite (Spike Lee, 2002)
(83)

(quarta vez; segunda em DVD)

*O Spike consegue usar sua ambientação de NY explicitamente pós-11/9 como uma analogia ao drama dos personagens (ou vice-versa) sem parecer insensível ou delicado demais. O filme é sobre como o protagonista, Monty (Edward Norton), lida com as consequências trágicas que os seus erros (ser um traficante) trouxeram, e sobre como o seu arrependimento chegou tarde demais. Agora ele vai ter que assumir a responsabilidade e passar 7 anos na cadeia, simplesmente porque não conseguiu resistir à atração que seus erros apresentavam. Claramente, essa trajetória é semelhante à dos EUA, em relação à sua política externa: fizeram merda, a ignoraram, e foram subitamente acordados pelo ataque às torres gêmeas; agora perderam as suas liberdades, e é possível que nunca mais venham a ser os mesmos de antes. O mais crucial de tudo, aponta o filme, é que ainda há um grau de imaturidade em suas atitudes (tanto a de Monty quanto a do governo americano): eles se arrependem por terem sido pegos ("eu devia ter parado, colocado o dinheiro em ações, deixado crescer, mas eu fui ganancioso"), não por terem feito algo errado.

*Similarmente, todas os outros personagens do filme também são definidos pelas suas relutâncias em assumirem responsabilidades quando deviam: eles - Frank (Barry Peper, na melhor atuação - de várias - do filme) como o amigo, Naturelle (Rosario Dawson) como a namorada, e James (Brian Cox) como o papai - se odeiam e se culpam por não terem interferido na vida de Monty e tentado convencê-lo a largar o mau caminho de ser um traficante. Tanto Naturelle quanto James se beneficiaram dos lucros que Monty conseguia vendendo drogas - a primeira a vida de luxo que o namorado a proporcionava, o segundo as dívidas do seu bar pagas pelo filho. E há uma cena explícita (embora elegante e forte) onde Frank fala sobre como Monty está terminado, nunca mais será o mesmo, e devia ter se dado conta de seus erros antes de ter sido pego - tudo isso filmado perto de uma janela com vista para o Ground Zero (ex-local do World Trade Center); não há como negar as intenções de Lee. Até mesmo a (fenomenal, sensual) subtrama do amigo de Monty/professor Jacob (Philip Seymour Hoffman) e sua aluna Mary (a deliciosa Anna Paquin) corresponde ao tema: ele é tido como "o homem mais honesto da turma", mas não consegue resistir a tentação da sua atraente aluna, e se arrepende logo depois (quando é quase tarde demais).

*Aliás, eu preciso comentar sobre essa cena: Mary, chapada, entra no lounge em cima do People Mover (aquele dispositivo do Spike que faz parecer que os personagens estão flutuando), ao som daquela música fabulosa do Cymande, flerta e tenta seduzir Jacob, que desajeitadamente a afasta ("I give a shit! I give a shit!") - e ao mesmo tempo, hipnotizado pela tatuagem na barriga dela. Mary vai até o banheiro no momento em que a música do Cymande entra naquele breakdown; a camera a acompanha, e depois volta até Jacob, que está paralisado, com um olhar semi-desesperado de desejo. Ele sobe, se fecha no banheiro com ela, (desajeitadamente) beija ela, e retrai logo em seguida; quando ele sai do banheiro, a trilha explode, e Spike corta novamente pro People Mover, agora com Jacob e seu olhar hilário que parece uma mistura bizarra de frustração, arrependimento e tesão. A cena toda é filmada, escrita, atuada e montada com mestria. Há uma eletricidade no ar - na sequência do clube toda, mas culminando nessa cena - que é impossível resistir. Muito foda.

*Francamente, nenhuma grande reclamação - além de uns mínimos problemas estruturais com flashbacks levemente atrapalhando o ritmo da primeira hora, e algum abuso da (excelente) trilha de Terence Blanchard. Em geral, é um filme espetacular, com uma direção expressiva e cativante de Lee (lembrando um pouco Assayas). Sem falar a fotografia do Pietro, o roteiro do Benioff, o final muito emocionante, etc, etc.


Agora ou Nunca (Mike Leigh, 2002)
(61)

(DVD)

*Não tenho muito a dizer. É bom, tipicamente Leigh, lidando com a classe trabalhadora, "melodrama" do dia à dia, bla bla bla, etc. Situações convencionais e clichês injetadas com percepção humana aguçada, ambiente miserável variando entre o fascinante e o grotesco, etc. Beligerância é ruim, etc. Não é rico/expansivo em suas emoções/idéias para chegar em algum lugar realmente excitante, e tal. Mas definitivamente vale a pena. Obrigado, Leigh.


PS: Amanhã (ou depois) eu falo sobre Irma Vep, do Olivier Assayas. Que é foda. Talvez eu fale também do disco novo do Bloc Party. Que não é foda.

terça-feira, janeiro 09, 2007

Whoop that trick! (Get it)

Ritmo de um Sonho (Craig Brewer, 2005)
(70)
(DVD)

*O filme segue a mesma fórmula inspirativa de Rocky, onde um cara na periferia da sociedade e da vida se esforça pelo o seu sonho e o alcança. E eu realmente digo fórmula; o roteiro passa por todos os checkpoints necessários: três atos; personagens apropriadamente desenvolvidos (até os laterais); ritmo fixo e constante; cena onde ele fala sobre seguir seu sonho; cena onde ele se preparar para concluir seu sonho; cena onde ele tem que lidar com seu sonho atrapalhando a sua vida de alguma forma; etc, etc. É bastante esquemático. Mas o que torna Ritmo fantástico é a pura convicção com que ele encara esses clichês, e os torna vivos e energéticos. E não atrapalha nada que essa versão da história envolve um cafetão que se cansa do seu emprego e começa a lutar para virar uma estrela de hip-hop; por mais risível que seja, a premissa traz um frescor de inovação vindo do antigo gênero de blaxploitation, dos anos 70. Ao invés de trabalhar numa fábrica de panelas - ou seja lá o que for que o Eminem fazia em 8 Mile - o nosso protagonista alcovita as suas prostitutas durante dias quentes, enquanto suor escorre pelo seu corpo todo, e derrama no assento do seu velho Chevy.

*Aliás, esse é um dos aspectos mais interessantes do filme: ele claramente pretende agradar a platéia de qualquer forma possível (é feel-good), mas há cenas intensas na sua história, onde DJay (o protag.) tem que agir como um cafetão, controlar "suas mulheres", colocar elas "no lugar", se é que você me entende. Isso obviamente é repulsivo, e algumas pessoas chamaram de hipocrisia querer fazer um melodrama inspirativo sobre um personagem imoral; no entanto, acredito que tais cenas sirvam para semi-subverter o gênero. Nós não podemos colocar nossa confiança inteiramente em DJay, pois nós vemos o que ele pode fazer. Ele não é como a gente (e por "a gente", eu digo a grande parte da população que não se aventurou ainda no ofício de Cafetação). E quando é pedido para torcer por sua vitória, temos que lidar com sentimentos conflitantes, o que eu acredito que foi intencional da parte do senhor Brewer (que também escreveu o filme).

*Terrence Howard, o rapaz que interpreta o protagonista DJay, é incrível. Usando aquele termo preferido de críticos, ele é uma "força da natureza". Controlado e intenso, habitando seu personagem sem restrições, com suas gírias da periferia e o sotaque do sul se misturando deliciosamente, ele lembra um Benicio del Toro mais jovem. E uma bela voz de hip-hop ainda por cima (embora eu suspeite que tenha sido manipulada, double-tracked, etc). O resto dos atores também é perfeitamente escolhido. Taryn Manning, em particular, que interpreta uma das garotas de DJay chamada Nola, é memorável: seu rosto, o cabelo loiro trançado, sua reticência, etc. Ela é como a Rollergirl de Boogie Nights, só que bem menos extrovertida. E ela tem uma das melhores tarefas no filme: a ritualista e quase icônica ação de desligar o ventilador quando vão começar a gravar.

*O que me lembra: as cenas de gravação são eletrizantes (como personagens tocando música em filmes costuma ser). Não só a importância e os riscos das aspirações musicais do protagonista já foram bem (e convencionalmente) definidos no primeiro ato - o que dá uma carga extra para as gravações - o filme também se preocupa em mostrar o processo de criação de músicas, particularmente os ganchos. O primeiro acontece quando Shelby - o hilário DJ Squalls, usando todo o seu white-boy-(magrelo)-funk - brinca por alguns segundos no teclado até achar uma melodia apropriadamente ameaçadora, e o Key (Anthony Anderson) - o amigo de DJay que o ajuda nas gravações - sugere mudar a letra "Beat that Bitch" para "Whoop that trick" e transformá-la em um canto/mantra. Ainda há cenas tão espetaculares quanto essa - como a de Shug gravando o gancho de "It's Hard Out Here For a Pimp" e DJay usando suas habilidades de cafetão para lidar com o seu antigo amigo de colegial que virou rapper milionário - mas esse post já tá ficando muito longo e eles não me pagam o suficiente pra isso (i.e. "eles" não me pagam).

*O filme teria conseguido mais pontos se tivesse seguido seus aspectos de blaxploitation com mais força, e fugido um pouco do feel-good. Mas nada é perfeito. E PS: A trilha sonora é muito foda.

Como presentinho, aqui está uma das (excelentes) músicas que o protagonista cria no filme: "It's Hard Out Here For a Pimp".

domingo, janeiro 07, 2007

Guerra das Damas. Água nos Mundos

Pra esse lugar não morrer e a causa ser diagnosticada como Preguiça, eu vou tentar escrever alguns comentários jogados e inúteis sobre todos os filmes que eu assistir (além dos ocasionais posts sobre macacos, Radiohead, a Vida, o que seja. Evolucionismo também, etc). Devidamente inspirado pela mudança atual no blog do homem que assistiu demais.

(evitando Spoilers)

A Dama na Água (M. Night Shyamalan, 2006)
(60)
(DVD)

*Se não fosse pela minha inexplicável disposição a ignorar as óbvias falhas de Shyamalan como escritor (e como ator), a minha nota provavelmente estaria uns 20 pontos a menos. Ele continuamente testa a paciência e inteligência do espectador, usando auto-consciência idiota, como a subtrama do crítico de cinema, para se desviar de ataques e ofensas contra o seu trabalho (e assim, gerando mais ataques e ofensas ainda; bom trabalho, Manoj), ou expondo o tamanho do seu ego - atuando no papel do escritor importante cujo trabalho só será compreendido daqui a 20 anos (quem será?!!) - sem aparentemente se preocupar com o nojo que isso pode causar em qualquer um que saiba que é ele. É ingênuo e imaturo, mas... mais importante ainda, é inofensivo. E ele coloca tanta confiança em tudo que faz (até nas cagadas) que seu filme permanece bem assistível.

*É claro, no centro da bagunça toda está o maravilhoso Paul Giamatti. Ele basicamente salva o filme, mantém o tom equilibrado (tornando as cenas de "suspense" simultaneamente tensas e cômicas, como é apropriado), e é única atuação excelente da obra toda (a Bryce Dallas Howard está competente, mas o papel dela não requer muito [mas eu apoio a decisão do Manoj de deixar ela semi-nua por 90% do filme; bom trabalho, Manoj]).

*Tematicamente, é como se o Shyamalan tivesse achado que ninguém entendeu A Vila, e tomado a decisão de deixar tudo menos sútil e mais esfregado ainda pro seu próximo trabalho. A sereia lá chama História. A porra da sereia chama História. História. Ele ainda usa um prólogo com desenhos pseudo-pré-históricos explicando detalhadamente o subtexto da trama: as sereias (na verdade, "narfs") são como Musas que servem para inspirar os artistas a guiarem a humanidade pelo caminho correto, e fazê-los crer no "impossível" com suas imaginações; mas aí, aparentemente, os homens pararam de ouvir (aka, pararam de "imaginar"/acreditar), e começaram a fazer guerras [o que não faz muito sentido, mas ok], e agora elas tem que se esforçar para voltarem a inspirar os artistas. A "narf" que veio inspirar o Shyamalan para escrever esse filme devia estar defeituosa, ou então era meio retardada. Ele devia ter ligado pro mundo mágico das "narfs" e pedido pra trocar por outra (uma asiática, talvez), ou pelo menos uma devolução do dinheiro.

*Eu acabei de perceber que esse filme pode ser uma metáfora para aquelas coisas de "noivas de encomenda", onde você paga pela internet com cartão de crédito, e a máfia russa te envia uma mulher por encomenda pra você trepar/casar e voltar a se sentir confiante sobre sua masculinidade. Não, eu esqueci: sexo não existe no mundo mágico de Manoj.

*Mas o filme ainda é bastante divertido, de um jeito sessão da tarde dos anos 80, com um "universo próprio", personagens estranhos e peculiares se envolvendo com elementos de fantasia (tipo De Volta Para o Futuro, só que pior e mais pretensioso; ou como Mestres do Universo (aquele filme do He-Man), só que melhor e mais pretensioso). A narrativa não está tão controlada e rígida quanto nos filmes anteriores do diretor, nem a direção - com o diretor de fotografia Chris Doyle amaciando o Night, fazendo um trabalho sútil, usando planos desfocados e cores pastéis, suaves, bem diferente do que ele fazia com o Wong Kar-Wai. E o filme tem mais humor ainda (intencional ou não) do que Sinais. E veja que legal as formas que o Shyamalan explora e ecoa o próprio ato de contar histórias, primeiro com a vovó Koreana tendo que ser traduzida pela filha, e depois a irmã do escritor no banheiro, tendo que interpretar as respostas da narf para o Paul Giamatti. Etc. É um trabalho estranho, curioso, e possivelmente transicional. Eu não faço idéia de onde o nosso querido indiano possa seguir, mas estarei esperando.


Guerra dos Mundos (Steven Spielberg, 2005)
(77)
(terceira vez; primeira em DVD)

*A Dakota Fanning nunca deixa de me impressionar. É como se tivessem feito a remoção do cérebro de uma atriz inteligente de 34 anos de idade e o colocado na cabeça de uma garotinha indefesa, sem deixar cicatrizes. Ela parece saber instintivamente como extrair naturalismo das falas mais banais (principalmente das mais banais, talvez). Veja o jeito que Dakota interage com Cruise no começo, quando ele pede pra ver a farpa que entrou no dedo dela, e ela fica simultaneamente tentando mostrar o ferimento e evitar o toque da mão dele. Ou quando Cruise pergunta desde quando ela tem alergia à manteiga de amendoim, e ela diz "Desde o nascimento" com uma frieza e cinicismo hilariamente calculado.

*A trilha do John Williams durante o primeiro ataque alienígena (lá em New Jersey) é excelente, usando um tema repetitivo, grave e discreto, mas que parece ser o equivalente marciano à famosa trilha de Tubarão (ou algo como um motor de um trator tentando pegar). Mas aparentemente, essa é a única vez que ele usa tal tema no filme. Grande parte do resto é decepcionante, convencionalmente melodioso e staccato. Eu acredito que o filme teria ficado mais forte sem trilha alguma pela maior parte do tempo, usando apenas o tema inicial durante as aparições dos tripods.

*A dicotomia de Individualismo X Altruísmo permanece um pouco subdesenvolvida, mas ainda efetiva. Ainda é difícil acreditar que o momento perturbador climático que ocorre no porão de Ogilvy (sim, aquela cena) está presente num filme pipocão de Hollywood; suas implicações podem ser de pouco interesse pra grande parte da platéia, mas vê-las nesse contexto "inocente" as dão um impacto maior ainda do que vê-las num filme de arte, sem aspirações óbvias de entretenimento. Digo o mesmo pra cena - igualmente perturbadora, e talvez minha favorita do filme - da multidão tentando roubar o carro do Ray & Cia. (e o resultado horrível). Pra contrabalancear, o Koepp (o roteirista) e Spielberg inserem momentos (merecidos) do povão se ajudando - a coletora de sangue avisando que já recebeu mais do que precisa; Robbie ajudando as pessoas a subir na barca; um grupo puxando o Cruise durante a cena da "Sabotagem Anal" (sim, aquela cena), etc - e todos levemente emocionantes.

*O filme definitivamente perde parte do impacto na telinha (duh). Por mais absurdamente foda que a cena do ataque inicial seja, ver aqueles carros voando e caindo quase em tamanho real no cinema dá o empurrãozinho de "eu talvez venha a mijar nas calças" para "eu mijei nas calças".